Referência bibliográfica: GOMES, Victor.
Eu
destruí aquela vida. 1ª edição. Campo Grande, Zap Book, 2014. 192
páginas.
Gênero: Drama adulto; Filosofia.
Temas: Deuses, crenças
filosóficas e religiosas, traição, ética, tragédia pessoal, loucura.
Categoria: Literatura nacional.
Ano de lançamento: 2014.
“Todo mundo quer saber se existe, ou não, alguém ‘lá de cima’
intervindo em sua vida. Só digo uma coisa: nesta
vida eu intervenho. Por exemplo: quando
Roberto espancar o playboy, será tanto obra minha quanto dele: eu o coloquei
nas circunstâncias propícias à ação. Também com o cemitério, de repente o lugar
mais fácil por onde caminhar. O guia, você pergunta? Eu.
Obrigado, obrigado.
É que às vezes me entedio e aí,
bom... aí preciso mexer com meus brinquedinhos. Faço o que quero e você não
sabe de absolutamente nada de mim, nem o que eu deixar transparecer ou fizer parecer que é ou não é.
Nem sobre mim nem sobre coisa alguma.
Você não sabe de nada.”
*Eu destruí aquela vida (pág. 09).
O que pode acontecer quando um
deus, possuidor da eternidade, é acometido pelo tédio? E quando este não é
exatamente um deus amoroso e benevolente como os humanos, em sua eterna ignorância
das questões não materiais, tolamente acreditam ser? Acontece o seguinte: esse
deus simplesmente dispõe de um dos seus muitos brinquedos cuja vida nada
significa para ele e que, desafortunadamente, despertou-lhe a atenção. Simples
assim. O brinquedo da vez é Roberto, um filósofo defensor do Utilitarismo e professor
universitário especialista em ética que trai a esposa. Ética, traição e uma
visão de mundo que justifique a coexistência de ambas? Eis algo que poderia
chamar a atenção de um deus entediado... E a brincadeira se inicia com uma
oferta e um acidente.
“Eu Destruí Aquela Vida” é um título bastante apropriado para esta história.
Trata-se de uma trama com bem mais que uma dose de sadismo, em que um deus cruel
dispõe da vida de um homem, criando e provocando situações, mexendo com sua
cabeça e sua racionalidade, privando-o das coisas mais importantes da sua vida,
levando-o a duvidar inclusive da realidade das coisas, conduzindo-o pouco a
pouco à loucura, com o único propósito de se divertir e afugentar o tédio, ao
menos por um tempo. Assim é “Eu Destruí
Aquela Vida”: sádico, perturbador, dramático, irônico, filosófico, singular.
E inteligente, sobretudo inteligente. Em suas poucas páginas (192), uma teia de
tragédias, arrependimentos, confusão e falsas certezas invade a vida de Roberto
a ponto de fazê-lo abandonar tudo em que acreditava. E aos poucos o homem vai
perdendo a sanidade, percorrendo um ciclo de culpa, medo, amor e miséria, e, ao passo em que enlouquece, comete atos
extremos e chocantes. Mas a loucura de Roberto não é desprovida de lógica. Ele
não é um louco desconexo e sem razão. É apenas um homem que se apega a uma
crença que nunca tinha lhe ocorrido e sua loucura – assim parece para quem o
observa – tem ainda algo de filosófico, possui um fio condutor e a mão que tece
esse fio é de um deus sádico e entediado que se diverte com as conclusões a que
Roberto chega a partir das pequenas pistas (falsas e verdadeiras) que ele
oferece. Mas sendo ele um deus – embora essa denominação seja apenas intuída
pelo leitor, uma vez que o próprio personagem não se refere a si mesmo dessa
forma, explicitamente, nem uma vez – suas ações e suas intenções não são
reveladas a Roberto e este, como todo humano, permanece no escuro quanto à
força que interfere na sua vida.
Há neste livro dois
protagonistas: Roberto, aquele que movimenta a história, que pratica as ações,
que experimenta a incerteza e a culpa, em quem toda a trama se foca; e a
divindade, aquele que narra a história, que observa os acontecimentos e se
deleita com a confusão e o remorso que provoca ao interferir diretamente com a mente
de Roberto. O tempo narrativo também se divide em dois: uma narração em
terceira pessoa cujo narrador onipresente é a própria divindade, relatando as
ações, pensamentos e sentimentos de Roberto e das pessoas com quem ele se
relaciona; e também uma narração em primeira pessoa, quando a divindade dialoga
diretamente com o leitor, apresentando-se, explanando sobre seu tédio e seu
jogo com Roberto, fazendo apontamentos acerca de correntes filosóficas sobre as
quais os humanos se debruçam (correntes divergentes defendidas por Roberto – o Utilitarismo – e por seu pai – o Ceticismo) e sobre a natureza da crença em
divindades como Jeová, o deus cristão, por exemplo. Nesses trechos, sempre alguns poucos
parágrafos no início de cada capítulo, a divindade deixa transparecer um pouco
de sua “personalidade”, extrovertido e cruel. Faz lembrar um pouco os deuses
gregos, tão antropomórficos em suas emoções. Mas não é possível determinar de
que deus se trata, nem mesmo se é realmente um deus ou outra entidade qualquer,
visto que, como dito anteriormente, ele não se denomina nem diz seu nome. Nas
palavras dele: “faço o que quero e você
não sabe absolutamente nada de mim” (pág. 9).
Créditos: Academia Literária DF |
A estrutura do texto é simples,
mas bem construída. São parágrafos curtos, todos iniciados com as divagações da
divindade e, após uma pausa textual marcada com um símbolo, a narrativa
prossegue com foco em Roberto. Todos parágrafos curtos, exceto um, justamente
aquele em que boa parte da ação e da pesada carga dramática se concentra. O
trabalho gráfico no interior do livro é simples, porém notável: desprovido de
ilustrações, os símbolos de abertura dos capítulos e das pausas textuais são de
uma beleza singular. A revisão está adequada, uma vez que apenas um erro de
pontuação se faz notar. A capa é o único “porém” nos aspectos editoriais:
embora a imagem com o anjo em pedra cobrindo os olhos em sinal de lamento,
típico adorno de túmulos antigos, seja bastante significativa, a obra merecia
um trabalho mais elaborado para representá-la. A prosa mostra uma maturidade e
uma estilística que contrasta com a juventude do autor, então um rapaz de 20
anos quando da publicação do livro. Também impressiona a consistência das
ideias e dos argumentos.
Falando no autor, ele é Victor
Gomes, um estudante de Filosofia (!) da Universidade de Brasília. Nascido em
março de 1994, este brasiliense apaixonou-se cedo por literatura e decidiu
contar suas próprias histórias na esperança de causar em seus leitores o mesmo
deslumbramento que tantos livros lhe trouxeram. Com sua obra de estreia, Victor
mostra potencial para ir muito longe nessa empreitada.
“Eu Destruí Aquela Vida”
é um livro para quem aprecia histórias intensas. É um livro para quem deseja
algo mais que uma simples leitura. É uma reflexão. Uma alegoria filosófica
sobre a ignorância humana acerca da natureza divina, se é que existe mesmo algo
divino a reger nossa pobre e frágil vida. Um flerte sobre a fragilidade do véu
que separa a crença do fanatismo, a lógica da loucura.
Bibliografia de Victor Gomes (ordem
cronológica):
Livros:
- Eu destruí aquela vida – Zap Book (2014).
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O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais; há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessoa; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde está, que tem saudade; sei lá de quê! - Florbela Espanca
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Que resenha maravilhosa, pessoal! Muito obrigado pelas palavras. É uma alegria imensa perceber que alcancei meu objetivo com a história. Um abraço!
ResponderExcluirEste livro foi uma grata surpresa. Quando vi que o livro tratava de assuntos filosóficos, achei que seria um chato de ler, mas pelo contrário, o livro tem uma narrativa muito gostosa e um humor excelente. A escrita também impressiona, por se tratar da estreia do autor.
ResponderExcluirEnfim, altamente recomendado.
Nossa, fiquei fascinada pelo enredo!
ResponderExcluirBoa sugestão para minha futura leitura! ^^
Ganhei o livro de presente de aniversário, mimo dos amigos Wanderson e Cibelle. Nem preciso dizer que acertaram na mosca. Livro ótimo!!!!
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