Ficha técnica:
Referência bibliográfica: SLOAN, Robin.
A
livraria 24 horas do Mr. Penumbra. 1ª edição. Ribeirão Preto, Novo
Conceito, 2013. Tradução: Edmundo Barreiros. 288 páginas.
Gênero: Ficção.
Temas: Bibliofilia, livros
antigos codificados, sociedade secreta, programadores, hackers, googlers e RPG.
Categoria: Literatura
estrangeira; Literatura norte-americana.
Ano de lançamento: 2013 no
Brasil; 2012 nos Estados Unidos.
“Será que é um clube do livro? Como eles se inscrevem? Será que pagam
por isso?
Eu me pergunto essas coisas quando fico aqui sentado e sozinho, depois
que Tyndall, ou Lapin, ou Fedorov vão embora. Tyndall é provavelmente o mais
esquisito, mas eles são todos bem estranhos: todos grisalhos, obsessivos,
aparentemente importados de outra época e de outro lugar. Não há iPhones. Na
realidade, não se fala em eventos recentes ou cultura pop; não se fala em nada
além dos livros. Acho que eles são um clube, apesar de não ter provas de que se
conhecem. Sempre vêm sozinhos e nunca falam uma palavra sequer sobre qualquer
outra coisa além do objeto da atual
fascinação frenética deles.
Não sei o conteúdo desses livros, e não saber faz parte do meu
trabalho. Depois do teste da escada, no dia em que fui contratado, Penumbra
parou atrás do balcão, me olhou com olhos azuis vivos e disse:
– Esse emprego tem três exigências, muito estritas. Não concorde se não
puder cumpri-las. Os balconistas dessa loja seguem essas regras há quase um
século e não sou eu quem vai mudá-las agora. Um: você tem sempre de estar aqui
das 22 às 6 horas, exatamente. Não pode sair mais cedo. Dois: não pode ler,
folhear ou inspecionar de modo algum os volumes nas estantes. Simplesmente
apanhe-os para os membros, só isso.
Sei que você deve estar pensando: dúzias de noites sozinho e você nunca
nem espiou o que vem depois de alguma capa? Não, nunca. Pelo que sei, Penumbra
tem uma câmera aqui em algum lugar. Se eu bisbilhotar e ele descobrir, estarei
demitido. Meus amigos estão em situação muito ruim por aqui. Indústrias e
partes inteiras do país estão fechando as portas. Eu não quero morar numa
barraca. Preciso deste emprego.
E, além disso, a terceira regra compensa a segunda.
– Você deve tomar notas detalhadas de todas as transações. A hora. A
aparência do cliente. Seu estado de espírito. Como ele pede o livro. Como ele o
recebe. Se ele parece abatido. Se está usando raminho de alecrim no chapéu. E por
aí vai.”
*A livraria 24 horas do Mr. Penumbra (pág.
24 e 25).
Ser o atendente noturno de uma
pequena livraria semiesquecida em um bairro semiesquecido de São Francisco não
era o projeto de vida de Clay Jannon. Nem de longe. Mas essa foi a única opção
que o web designer desempregado encontrou para não acabar morando em uma
barraca devido a recessão financeira que o país enfrentava. Entretanto, a
Livraria 24 Horas do Mr. Penumbra era algo mais que uma velha livraria
decadente: era um lugar estranho, com um acervo de obras estranhas, com um
proprietário estranho e com poucos e fies clientes (ou membros?) ainda mais
estranhos. E as esquisitices da pequena livraria/biblioteca despertaram a
curiosidade de Clay. Observando, xeretando e pesquisando, o atendente acaba por
descobrir que aquelas prateleiras guardam muito mais que livros esquisitos e
únicos: guardam um enigma. E esse enigma envolve uma sociedade secreta de
bibliófilos e uma antiga obsessão da humanidade.
O que pode acontecer quanto um
conjunto de esquisitices desperta a atenção de um rapaz jovem e imaginativo? E
o que pode acontecer quando essas mesmas esquisitices apontam para algo maior e
mais significativo e esse rapaz curioso possui um grupo de amigos e conhecidos com
habilidades e recursos que lhe permitem ir longe, muito longe em suas
investigações? Muita coisa. E os desdobramentos de tudo isso é o que Robin
Sloan explora em seu “A Livraria 24 Horas
do Mr. Penumbra”. Esse é um livro que permite ao leitor degustar uma
história que envolve, magistralmente, elementos como livros antigos,
codificação de informações impressas, fontes tipográficas, bibliófilos,
irmandades secretas, programadores de computador, hackers, produtores de
efeitos especiais, googlers, a sede do Google e todo seu poder de processamento
de dados, jogadores e mestres de RPG e um dos maiores sonhos da humanidade
(não, não vou dizer qual é. Você, caro leitor, terá que ler o livro para
descobrir). Diante de tudo isso, o que se pode dizer de “A Livraria 24 Horas do Mr. Penumbra”? Bem, esse é um livro
simplesmente DE-LI-CI-O-SO de ler. É muito interessante acompanhar como, ao
longo da história, uma simples e decadente livraria ganha contornos misteriosos
e se mostra parte de um grande esquema. É ainda mais interessante acompanhar
todas as reviravoltas e artimanhas empregadas por Clay, o protagonista da
trama, para entender o que se passa ali. E não, a história não se encerra
quando ele descobre de que se trata a trama que envolve aqueles livros, aquele
lugar, seu proprietário e seus estranhos frequentadores. Clay acaba envolvido
no esquema, por motivos muito diferentes dos demais, mas ainda envolvido. E,
junto com ele, o atendente leva também seus amigos, cada um com um tipo de
habilidade muito útil na empreitada, tal como em uma aventura de RPG. Aliás, as
semelhanças com uma aventura RPGística é bem explicitada pelo próprio
personagem-narrador, que a todo momento faz uma comparação com o jogo que
marcou sua infância e estreitou ainda mais os laços de amizade com seu melhor
amigo, Neel.
“Conto
a Neel o que aconteceu. Explico à maneira da introdução de uma aventura no
Rockets & Warlocks: as subtramas, os personagens, a busca anterior à nossa.
O quadro está se formando, digo: há um trapaceiro (que sou eu), e uma
feiticeira (Kat). Agora preciso de um guerreiro. (Mas afinal, por que o grupo
típico de aventuras consiste de um feiticeiro, um guerreiro e um trapaceiro? Na
realidade, deveria ser um mago, um guerreiro e um cara rico. Senão, quem vai
pagar por todas as espadas e feitiços e quartos de hotel?).”
Pág. 123
A verdade é que todas as características dessa história fazem
dela basicamente uma aventura moderna de RPG onde o cenário fantástico típico é
trocado por São Francisco e Nova York. Referências
à cultura pop também não faltam.
“Debruçados
em torno de uma mesa baixa feita de caixas antigas de fita magnética, acho que
podemos ser descritos assim, não como uma empresa, mas pelo menos como algo
novo em formação. Somos uma pequena Aliança Rebelde, e Penumbra é nosso
Obi-Wan. Todos sabemos quem Corvina é.”
Pág. 159
Ou
ainda:
“Conforme descemos degrau a degrau, começo a ouvir sons. Murmúrios
baixos; depois, um ronco baixo; em seguida, o eco de vozes. Os degraus terminam
e há uma moldura de luz bem à frente. Passamos por ela. Kat fica sem fala e
expira formando uma pequena nuvem.
Isso não é uma biblioteca. Isso é a Batcaverna.”
Pág. 148
Mas há algo que se faz
necessário dizer a respeito de “A
Livraria 24 Horas do Mr. Penumbra”: não é o final que importa e sim o
processo construído até chegar a ele. Traduzindo: o desfecho da história pode
decepcionar muitos leitores, mas vai agradar aqueles que perceberem a mensagem
transmitida pelo livro (não vou dar detalhes sobre o final e também não vou
falar qual é a mensagem. Novamente, você terá que ler para descobrir).
Para narrar essa envolvente e
curiosa aventura pelo universo dos amantes de livros, Robin Sloan elegeu seu
protagonista como personagem-narrador. A narração em primeira pessoa oferece a
visão de Clay sobre os fatos. Oferece também suas conjecturas, suas
desconfianças e suas deduções. E é seu jeito irreverente e jovial que dá o tom
da trama, sempre com alguma piadinha ou com alguma colocação pessoal acerca do
que está acontecendo ou do que ele pensa estar acontecendo. O ritmo de leitura
é muito natural porque a obra adota uma linguagem simples e de fácil
compreensão. Também contribui para a fluidez da leitura a linearidade da
narrativa e a maneira ágil, mas sem atropelos, como os acontecimentos e
desdobramentos se sucedem e se desenrolam. Os personagens são variados e quase
caricatos. Há o velho excêntrico e muito culto dono da livraria igualmente
excêntrica. Há o líder ultraconservador
de uma irmandade secreta. Há a garota louca por tecnologia que acredita que
este é o caminho e a resposta para tudo e que possui vários conjuntos iguais de
roupa à la Steve Jobs. Há o garotinho nerd e antissocial que se torna um
milionário desenvolvedor de softwares. E há Clay, o clássico curioso que ignora a
regra que o proíbe de fazer algo e, exatamente por isso, ele não apenas faz o
que não devia fazer como envolve todos à sua volta em sua “transgressão”. Ainda
que caricatos, os personagens são cativantes e muito adequados à proposta da
obra. Quanto às características editorias, tais como capa, diagramação e
revisão, o trabalho foi muito bem feito, mas não excepcional.
“A Livraria 24 horas do Mr. Penumbra” é o
romance de estreia de Robin Sloan, um economista de Detroit formado em Michigan
e também coautor de uma revista literária chamada Aveia. Entre 2002 e 2012, trabalhou no Poynter Institute for Media,
na Current TV e no Twitter, dando suporte às novas mídias. Sua passagem do
mundo da tecnologia para o mundo impresso aconteceu, segundo ele mesmo, numa
manhã de terça-feira quando chegou ao clube Grolier – um reduto de
colecionadores de livros raros – e apaixonou-se por todos aqueles livros
impressos. Talvez tenha vindo daí sua inspiração para criar essa obra tão singular
sobre uma irmandade que “cultua” livros muito, muito raros. Uma inspiração que
rendeu uma obra gostosa de ler e com potencial para agradar leitores de
variados perfis: do geek amante de tecnologia ao conservador apaixonado por
obras clássicas e tipografia; do nerd jogador de RPG ao leitor que busca apenas
um bom entretenimento; dos que apreciam um bom mistério aos que se deleitam com
teorias da conspiração. Está tudo ali, costurado e orquestrado lindamente para
formar uma história que arrebata pela criatividade e pela mistura inusitada.
Uma história que apaixona pela construção primorosa de uma trama que se
complica para ao fim mostrar a simplicidade de uma fábula moderna sobre
computadores e livros.
Bibliografia de Robin Sloan (ordem
cronológica):
Livros:
- A livraria 24 horas do Mr. Penumbra – Novo Conceito (2013).
Categorias:
Literatura Estrangeira•
Novo Conceito•
Resenhas•
Robin Sloan
O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais; há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessoa; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde está, que tem saudade; sei lá de quê! - Florbela Espanca
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Helkem, eu fiquei muito curiosa para ler esse livro.
ResponderExcluirPrincipalmente quando você falou que ele lembra um jogo de RPG.
Jogo e amo, então é bem provável que eu fique encantada.
Parabéns pela resenha.
http://lisos-somos.blogspot.com.br/
Tem um tempão que li esse livro e adorei. E eu concordo com você que o processo da leitura faz toda a diferença, durante a leitura eu ia me enchendo de expectativas sobre os livros emprestados, mas sempre era diferente do que imaginava e eu gosto disso...
ResponderExcluirhttp://poesianaalmaliteraria.blogspot.com.br/
pra ser sincera, eu li mas da metade pro final fiquei entediada. =( Ele tinha tudo pra me agradar, a começar do título, da capa, das referências mas no meio do caminho fiquei perdida. Na certa, não entendi a tal mensagem =(
ResponderExcluirDéborah, o livro lembra muito um RPG mesmo. A maneira como as coisas vão acontecendo, os mistérios vão sendo resolvidos pra dar lugar a outros. É muito bacana.
ResponderExcluirPoesia na Alma. Eu tbm tinha muitas teorias sobre os livros, algumas bem mirabolantes no começo. Mas gostei do rumo que o mistério tomou.
Maria Valéria, como disse na resenha, provavelmente o final do livro, a resolução do grande enigma iria desagradar e desapontar alguns leitores. Eu gostei por que foi singelo (não dá pra falar mais porque seria spoiler pra quem não leu, né). Mas, na minha percepção, o autor fez de proposito para que a construção do enigma, a expectativa e a busca por ele, e não o enigma em si, fossem o ponto chave da história. Sabe aquele ditado que diz que a felicidade está em procura-la? Então, acho que esse livro segue um pouco essa linha.