RESENHA – A Fortaleza: Mundo Sombrio (Day Fernandes)

Ficha técnica:
Referência bibliográfica: FERNANDES, Day. A Fortaleza - Mundo Sombrio. 2ª edição. Brasília, Edição do autor, 2017. 312 páginas.
Gênero: Sci-fi distópico
Temas: Apocalipse, guerra nuclear, sobrevivência
Categoria: Literatura Nacional
Ano de lançamento: 2017
Série: A Fortaleza - Mundo Sombrio (Vol.1)









“Com o advento das descobertas nucleares, o homem condenou a si mesmo e a seu próprio mundo, contaminando tudo o que existia na superfície terrestre. Milhares de pessoas morreram. Outras centenas continuam morrendo com os efeitos tardios da radiação.
Depois da destruição da superfície, a população mundial foi reduzida a menos de um terço, mas, antes do fim, os esforços de todos os países haviam sido para concentrar a população sobrevivente em complexos estruturais no interior do planeta. Esses lugares são conhecidos como Fortalezas.”
*A Fortaleza – Mundo Sombrio (pág. 9).

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                Vinte anos haviam se passado desde que o mundo testemunhou sua primeira e última guerra nuclear. A vida na terra havia sido erradicada pelas bombas e a humanidade quase foi extinta. Aqueles que sobreviveram agora habitavam gigantescos complexos estruturais subterrâneos conhecidos como “As Fortalezas” e nelas a raça humana tenta sobreviver a extinção completa.
                Na Fortaleza de n°7, um império regado a sangue se ergueu. Nesse mundo cruel vive Camille, que ao herdar de seu pai a posição de líder de um grupo de rebeldes, acaba por descobrir segredos terríveis após salvar um desconhecido em uma missão de resgate. Nem mesmo os diários de seu falecido pai poderiam prepará-la para o que estava por vir. A luta pela sobrevivência estava para começar.
A Fortaleza – Mundo Sombrio é uma obra de ficção distópica escrito pela autora Day Fernandes. Na história somos apresentados a Camille, uma jovem líder de um grupo de rebeldes que se opõe a tirania do governador da Fortaleza n°7. O mundo havia sido arrasado por uma guerra nuclear que devastou a superfície tornando (até onde se sabe) a sobrevivência da vida impossível. Porém, antes do Juízo Final (não, não teve Skynet, foi a burrice humana mesmo que acabou com tudo), vários países se uniram em um esforço conjunto para garantir a sobrevivência da espécie humana.
No mundo de Camille, as pessoas sobreviviam em enormes complexos chamados de “Fortalezas”, cujo controle estava nas mãos dos sentinelas e seu tirano governador, que decidiam sobre a vida das pessoas com base naquilo que elas poderiam “contribuir” para a sobrevivência da comunidade. Coloquei entre aspas porque aqueles que, de acordo com os critérios dos que governavam, não detinham níveis de inteligência suficientes para desempenhar funções intelectuais ou habilidades manuais úteis eram subjugados a escravidão. Essas pessoas eram forçadas a servir e realizar tarefas hediondas e até mesmo podiam ser vendidas, tal como já foi feito no passado.

“[...] Os escravos eram enjaulados, amarrados e obrigados a realizar todos os tipos imagináveis de trabalho. Muitos eram vendidos e até mesmo dados de presente, como se fossem objetos ao invés de pessoas”.
*A Fortaleza – Mundo Sombrio (pág. 19).

É nesse mundo cruel para os mais frágeis que Camille vive e luta contra. Seu pai foi um dos primeiros a questionar os métodos do governo e logo apareceram outros simpatizantes. Após sua morte, a jovem herdou do pai seus ideais, não só porque aquela era uma herança, mas também porque a jovem era destemida e tinha um extraordinário espírito de liderança. Sua primeira investida contra o governo foi logo após o trágico assassinato de seu irmão nas mãos do próprio governador. E ela, com o apoio de seus amigos, tramou um ataque para libertar escravos que eram mantidos em cativeiro num local conhecido como “castelo da morte”. Ao libertá-los, acabou por torna-se aos poucos uma espécie de líder para aquelas pessoas perdidas e desamparadas que passaram a admirá-la e a respeitá-la. O grupo de rebeldes logo ficou conhecido por suas façanhas como “Fantasmas das Sombras”.
               E foi em uma missão dos Fantasmas que tudo mudaria: o plano de Camille e seus amigos era encontrar e libertar rebeldes que haviam sido capturados em uma missão que havia falhado. A missão foi um sucesso, porém com um adicional: havia outro prisioneiro no complexo. Um homem que ela não conhecia e que não tinha a aparência e o porte de um escravo. Seu ímpeto de ajudar o próximo não a deixou seguir com o plano e arriscando o próprio pescoço ela conseguiu a muito custo libertar e fugir com o desconhecido para logo descobrir que ele era muito mais que um simples prisioneiro.

O mundo de Camille foi destruído por bombas nucleares 

                Quem acompanha minhas resenhas sabe que tenho uma quedinha por mundos apocalípticos (os livros do Rodrigo de Oliveira que o digam) e foi com muito entusiasmo que comecei a ler o livro da Day. Embora tenha aquela mesma premissa que estamos acostumados a ver por aí (humanos ferrando com tudo), ela imprimiu certas peculiaridades em sua obra. Por exemplo, na maioria das histórias que li a respeito, as pessoas comuns não estavam cientes de que o mundo acabaria. Aqui sabiam e vivam com medo que uma guerra eclodisse. E como consequência desse temor, países fizeram um esforço em conjunto gigantesco para construir as Fortalezas. E minha nossa, que lugarzinho grande. As Fortalezas medievais, aquelas que vemos em filmes e livros de história são casas se comparadas a estrutura gigantesca criada pela autora.. Ir de um ponto a outro pelo subterrâneo eram jornadas que poderiam levar dias devido a distância. Imagina o tamanho desse lugar.

“- Acha que vamos levar quantos dias para chegar até lá? – perguntou Adam.
Will voltou a prestar atenção no que estava fazendo e deixou as preocupações de lado.
- Depende. Se tudo correr sem problemas, uns cinco dias de caminhada. Mas isso é quase impossível – respondeu.
- Foi o que pensei. Esses túneis são imensos – constatou o rapaz.
- E perigosos – completou Will. –  Tenha cuidado para não se perder ”.
*A Fortaleza – Mundo Sombrio (pág. 89).

Quatro aventureiros da Fortaleza decidem enfrentar a tirania de seus governantes
               
                Falando da história: apesar do tom de urgência com que a obra começa, já com uma missão de resgate, pra mim a narrativa se desenvolveu de forma meio morna. Sei que aquele era o momento de apresentação dos personagens, mas a leitura para mim não fluiu direito. Ao menos até a saída do grupo da capitã (como Camille era chamada por alguns) para o centro nervoso da Fortaleza a fim de ajudar o homem misterioso a recuperar suas lembranças, perdidas por algum motivo. Aí sim as coisas começam a ficar interessantes, com Camille descobrindo que a Fortaleza esconde mais segredos do que ela supunha, instigando o leitor a seguir em frente na leitura e descobrir junto aos personagens o que estava escondido atrás das cortinas.
                É interessante notar o quão fortes e destemidas são as mulheres da obra. Não só na liderança de Camille, mas também na habilidade de Sarah e a pontaria certeira de Eleonor. Em um texto no qual a autora fala sobre a representação feminina na ficção científica (recomendo demais a leitura neste link), podemos ver o quão grande é o abismo que separa as referências do gênero em ambos os sexos. Não só autoras (conte aí nos dedos quantas você conhece), mas também quanto às personagens. Vou deixar um trechinho do texto para vocês entenderem melhor:

Como leitora e autora de scifi, no momento em que decidi colocar minha obra “A Fortaleza: Mundo Sombrio” no papel, eu soube que o grande destaque estaria nas mulheres da história. Eram elas quem salvariam o planeta, quem lutariam nas linhas de frente, quem comandariam exércitos, e ainda assim se apaixonariam, se sacrificariam, sofreriam, cometeriam erros e acertos, como toda e qualquer pessoa. Eu queria personagens reais. Contudo, mais do que isso, eu queria mostrar a força feminina em pé de igualdade com a masculina. Mulheres fortes que mantêm sua essência”.

Então só posso deixar aqui meus parabéns para a autora por escrever uma obra com mulheres tão fortes e decididas, mas que ao mesmo tempo são tão frágeis e sensíveis, que estão ali para fazer a diferença e não apenas ser um rostinho bonito para ser cortejada por homens (nada contra quem gosta desse tipo de situação, por favor!). Apenas acho digno ver algo diferente. Ver um pouco de representatividade feminina nas histórias é bom.
E por fim, devo destacar a reviravolta do clímax. Obviamente não darei spoilers, mas achei muito legal a forma que a autora nos leva a crer uma coisa para mostrar outra completamente diferente. Ela não estava brincando quando disse na sinopse que a missão de resgate de Camille mudaria não só o destino dela, mas o da raça humana inteira.
Como crítica eu tenho duas: alguns acontecimentos na trama aconteceram rápido demais e deveriam ter recebido uma atenção a mais da autora. Tomo como exemplo algumas desavenças que alguns personagens tinham uns com os outros. Outro exemplo é em relação ao clímax. Como disse, teve aquela reviravolta de explodir mentes com a revelação dos segredos da Fortaleza. Ali merecia um desencadeamento mais detalhado do como isso impactou na vida dos seus habitantes. E a outra é que algumas falas dos personagens eram, como posso dizer, rasas demais. Quase mecânicas. Não consigo externar isso em palavras, mas pensem num robô tentando por profundidade em frases pré-programadas. É mais ou menos isso. Porém, acredito que a autora tem muito potencial para entregar a seus leitores uma história ainda mais densa e rica em detalhes no próximo volume que acredito eu, deve estar para chegar.



                O livro é narrado em primeira pessoa. A história linear acompanha as façanhas de Camille e seu grupo de renegados, com flashbacks pontuais que explicam alguma passagem específica da obra. E apesar da história se concentrar nas ações da protagonista, a autora separa alguns momentos para dar foco aos personagens coadjuvantes, como Will e Sarah. Os personagens se desenvolvem bem ao longo da trama. Só acho que alguns diálogos ficaram muito rasos e vez ou outra havia uma carga dramática excessiva nas ações deles. Afora isso curti o modo como à autora trabalhou com os personagens, em especial, com as mulheres.
                A revisão pecou um pouquinho, encontrei uns errinhos que não deveriam aparecer justamente por essa ser uma segunda edição da obra. Porém, não é nada que estrague a leitura. Apenas falta de atenção mesmo. A diagramação (especialmente se comparada com a edição anterior) está ótima e como dito na capa, a edição que eu li é a que contém ilustrações (bem legais, por sinal) feitas pela ilustradora Eliana Trujillo.
  E temos um mapa! Vocês sabem que eu sou o louco dos mapas e fiquei contente de ter um nessa obra. E ele me lembra bastante os desenhos de dungeons que eu fazia quando jogava RPG com os meus amigos. Cada corredor um encontro aleatório diferente… (divagando aqui). A capa também é bem legal e chama atenção pela fonte estilizada. Ao todo são 25 capítulos, divididos em três partes, mais o prólogo, epílogo, um extra. No final do livro temos duas páginas dedicadas à cronologia de eventos (tomem cuidado com ela, há spoilers!) e no final os agradecimentos da autora.

Parte do mapa que mostra o complexo gigantesco que é a Fortaleza.

                Day Fernandes tem 26 anos, é psicóloga e escritora, casada e natural da cidade de Brasília-DF. Apaixonada por romance, ficção científica e teorias da conspiração, começou a escrever aos treze anos, criando histórias em quadrinhos. No final de 2015 deu início à sua carreira profissional na literatura através da plataforma Wattpad, lançando o romance intitulado “A Fortaleza: Mundo Sombrio”. Em pouco mais de seis meses, a obra alcançou mais de oito mil leituras. Dayanne também adora escrever contos e possui publicações em antologias diversas, nos gêneros de terror, sci-fi, suspense, romance e fantasia.
                Devo começar recomendando essa obra para aqueles que, assim como eu, não veem a hora do apocalipse começar, gostam de histórias onde a humanidade é levada ao extremo para continuar existindo. A leitura é leve, então recomendo também para quem quer começar a explorar esse tipo de narrativa.
             Agora vamos à recomendação dos nacionais: Day é uma ótima representante da literatura Sci-fi (quantas mulheres você conhece que escreve esse gênero?). O livro dela é independente, ou seja, não tem o selo de editora. Então se já é complicado vender com uma editora que tem uma logística por trás, imagina para esse pessoal que faz de tudo um pouco para seu livro chegar na mão dos leitores. Então se você curte esse tipo de leitura, vale a pena ter essa obra na sua estante.
  E sim, teremos uma continuação. O final do livro deixou MUITOS questionamentos no ar e um gancho com várias possibilidades. A história de Camille continuará em um lugar que nem mesmo eu tinha imaginado enquanto lia o livro.
Corra para ler, antes que as bombas comecem a cruzar o céu e seja tarde demais... 


Bibliografia de DAY FERNANDES (ordem cronológica):

Livros:
  • A Fortaleza - Mundo Sombrio – Edição do autor (2017).
  • Uma ilha no Atlântico – Edição do autor (2018).

Contos:
  • Sob a Minha Pele – Edição do autor (2017).
  • Os Opostos Se Distraem Editora Sekhmet (2017).
  • Visões Noturnas – Edição do autor (2017).
  • A Segunda Face do EspelhoDarda Editora (2016). 

Antologias
  • O Hospício de Muskov – Editora Wish (2017).
  • Valquíria – Editora Darda (2016).
  • Abduções e outros contos – Editora Young (2017).

Luciano Vellasco

Sou o cara que brinca de ser escritor e se diverte em ser leitor. Apaixonado por livros, fotografia e escrever. Jogador de rpg nos domingos livres, colecionador de Action Figures e Edições Limitadas de jogos. Cinéfilo, amante de series e animes. Estou sempre em busca de conhecer novas pessoas e aprender com cada uma delas e por último, mas não menos importante: um lendário sonhador.
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Comentários
2 Comentários

2 comentários :

  1. Aaaaaaaahhhhhh!!! Se vocês escutarem algo explodindo é o meu coração que não aguentou de felicidadeeee!!! Genteee, to apaixonada pela resenha! Só tenho a agradecer ao Academia e ao Luciano por abrir esse espaço pra mim e outros autores nacionais. São coisas assim que fazem tudo valer a pena! Muito obrigada mesmo! <3

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    1. Fico feliz que tenha gostado das minhas impressões sobre a obra, Day. E quero continuar acompanhando a história de Camille, parabéns pela obra e continue evoluindo na escrita ;)

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