RESENHA - Clarice, a Última Araújo (Paulo Souza)

Paulo Souza apresenta uma narrativa leve que retrata a história de uma mulher que carrega a última gota de uma maldição 


Ficha técnica:
Referência bibliográfica: SOUZA, Paulo. Clarice, a Última Araújo. 1ª edição. Guaratinguetá-SP, Editora Penalux, 2018. 80 páginas.
Gênero: Realismo Fantástico
Temas: Prostituição, corrupção, amor;
Categoria: Literatura Nacional
Ano de lançamento: 2018





“‘A Chuva esqueceu onde virar para chegar nestas terras, desde que me entendo por gente que não vejo uma água cair do céu’ era sempre o que sua avó dizia quando ela perguntava sobre a chuva que nunca havia visto na vida. ‘Mas como pode vó, a chuva não é viva, é’ e para esta pergunta Clarice sempre ouvia a mesma resposta, de que tudo na terra é vivo, tudo tem o seu saber e seu próprio entendimento.”
*Clarice, a Última Araújo (pág. 16).

                Em Novo Oriente nunca chove.
             Há gerações, o povo humilde de uma cidade humilde, esquecidos por Deus e pelos homens, não sabia o que era chuva. Lá vivia a família Araújo que, segundo o folclore local, havia levado desgraça ao povo de Novo Oriente. A lenda, contada geração após geração, diz que há muito tempo uma Araújo trouxe beleza àquelas terras. E sua presença conquistou o coração de um querubim. O anjo ficou tão fascinado com a beleza da moça que desrespeitou as ordens do Pai e deitou-se com a humana. A partir dali duas coisas aconteceram: a linhagem dos Araújos estaria amaldiçoada e os céus negariam a chuva a Novo Oriente.



             Clarice, a Última Araújo é uma novela escrita pelo autor Paulo Souza. Na história conhecemos Clarice, uma jovem moça que vive em uma cidadezinha do sertão chamada Novo Oriente. A menina vivia uma vida simples, mas algo a diferenciava de todos os demais: ela era uma Araújo. Segundo o que contavam (ou fofocavam), a família das Araújo havia desgraçado Novo Oriente.
                A pequena Clarice nunca acreditou na história que sua velha avó contava, mas é fato que ela nunca havia visto uma gota de água da chuva naquelas terras. Outras coisas curiosas aconteciam sem que ninguém conseguisse criar uma hipótese lógica: nunca nasciam homens na linhagem Araújo, apenas mulheres; essas mulheres eram dotadas de uma beleza sem comparação, com corpos esculturais que causariam inveja a qualquer Top Model e que fariam qualquer homem beijar seus pés apenas para ter a chance de tocá-las (menina Clarice, com apenas 14 anos, já tinha o corpo de mulher feita e facilmente se passaria por uma jovem de 18 ou 19 anos); e por fim, qualquer homem que porventura se deitasse com uma Araújo ficaria louco. Sendo isso verdade ou não, ninguém nunca viu um homem em companhia de uma Araújo.
                Clarice nunca teve muitas pretensões na vida, mas tudo mudou quando a espalhafatosa cafetina Joana Critério, vinda de Fortaleza, apareceu em Novo Oriente prometendo a jovem um novo mundo de maravilhas. A mulher tentou de todas as formas aliciar Clarice, porém, apesar da pouca idade, a menina tinha um gênio forte e não se deixou convencer pela lábia da cafetina que estava quase para desistir de levá-la pelos meios “tradicionais”, até que a menina foi fisgada por uma promessa que a faria mudar de ideia: havia chuva em Fortaleza.
               
“Agora uma das Araújo viu a chuva e o mundo nunca mais seria o mesmo.”
*Clarice, a Última Araújo (pág. 28).

                Eu já sabia que o Paulo escrevia muito bem. Leio suas críticas no blog “Ponto para Ler” e contos esporádicos publicados lá também. Mas nessa obra pude comprovar que ele sabe como carregar uma narrativa com uma maestria que o torna merecedor não apenas de Palmas, mas do Tocantins inteiro (ok, péssimo trocadilho! Sigamos). A obra do autor, à primeira vista, trata de um realismo fantástico, onde o real (a mulher) se encontra com o fantástico (o anjo). Mas Clarice, a Última Araújo é muito mais que uma história de um romance proibido e maldições ancestrais. A narrativa dialoga com o leitor sobre temáticas bem sérias que estamos habituados a ouvir, mas pouco preparados para falar sobre.


E o tema mais forte que encontramos na obra é a prostituição infantil. Tão logo conhecemos um pouco da história das Araújo a fantasia dá vez à realidade cruel personificada na figura de Joana Critério, uma cafetina que alicia crianças do interior com promessas de ver o mundo, quando na verdade tais promessas não passam de armadilhas arquitetadas para atrair as jovens para uma vida de prostituição. Na década de 90, época em que a história se ambienta, a cidade de Fortaleza era conhecida como a capital do tráfico sexual infantil. E o autor usa de sua narrativa afiada e seus personagens para falar a verdade nua e crua.

“Desde quando chegou Clarice já sabia que Joana Critério era o mais baixo dos seres humanos. Manter um prostíbulo e captar garotas inocentes pelo interior do estado eram as menores coisas que ela fazia. Com o passar do tempo e a convivência com as outras garotas Clarice começou a saber de todas as empresas que Joana Critério fazia parte, ficou sabendo até mesmo de pequenos casos escusos que a casa da Luz Vermelha mantinha com a prefeitura de Fortaleza para receber verbas destinadas a creches.”
*Clarice, a Última Araújo (pág. 38).

Porém, estamos aqui falando de uma mulher que deixa homens sem ação apenas com sua presença. Clarice, como prostituta, teve de aprender na marra sobre a vida, enquanto que homem após homem tentava sem sucesso tirar sua virgindade, para desespero de sua cafetina. É nessa parte que Paulo dá uma importante lição sobre como o conhecimento pode abrir a mente das pessoas menos instruídas. A jovem, antes humilde, dava seus primeiros passos para se tornar uma mulher que ultrapassava quaisquer estereótipos que poderiam dar a ela por conta de sua beleza. Ela, assim como muitas mulheres na nossa sociedade, queria (e mostrou) para a sociedade que ela era muito mais do que aparentava, muito mais do que apenas uma mulher bonita.

“Foi neste momento que ela percebeu o bem que o conhecimento poderia fazer, não o conhecimento inútil, mas o que faz os trapaceiros não terem poder sobre você.”
*Clarice, a Última Araújo (pág. 34).

                Outro tema bastante discutido na obra é a corrupção. O choque de realidade é intenso quando você observa que aqueles que deveriam proteger são os que mais frequentam prostíbulos. De empresários a políticos, são muitos os clientes de Joana Critério. E em uma época como a que estamos vivendo atualmente (eleições), a obra vem como uma advertência para que a sociedade procure escolher melhor seus governantes.
                Críticas? Só uma. Acabou muito rápido (HAHAHA). Sei que a intenção foi criar uma obra de leitura rápida, mas o universo de Clarice é tão rico e cheio de abordagens interessantes que poderia (e merecia) ser maior. Porém, me agradou bastante a forma como o autor narra a história sem “encher linguiça”, indo direto aos pontos. O interessante na narrativa de Paulo é ver que ele leva o leitor a pensar que compreendeu todo o universo da obra, para sem aviso inserir novos conceitos que dão uma dimensão ainda maior do universo, fazendo Clarice parecer um grão de arroz em um deserto. Não entenderam, né? Digamos que as cordas que moldam o destino do mundo são puxadas por seres muito maiores que afetam direta e indiretamente as ações dos mortais. Para compreender o que este humilde resenhista quer dizer, faz-se necessário ler a obra. Vão lá, prometo que não irão se arrepender.


                A obra é narrada em terceira pessoa. Embora acompanhe os passos de Clarice, a narrativa reserva trechos no qual podemos entender as ações de alguns personagens. A história vai e volta no tempo, para apresentar fatos e acontecimentos que são importantes para o desenrolar da história. A fluidez é leve e envolvente. O autor teve o cuidado de mimetizar sua história à realidade da época retratada, usando-se inclusive de regionalismo para ambientar certos maneirismos de seus personagens. Quanto à diagramação, a editora está de parabéns. Quase não há erros ortográficos. Notei apenas um caso  de repetição de uma mesma palavra em uma única frase, um deslize pequeno que aparentemente passou batido pela revisão. As letras estão bem espaçadas e a capa (da ilustradora Karina Tenório) reflete maravilhosamente bem o que podemos esperar da obra. O livro é dividido em cinco partes, com um excelente prefácio do autor e jornalista Marcos Fabrício.

Fica o convite para quem for de Brasília!

                Paulo Souza é escritor, produtor cultural e blogueiro literário. Tem publicado o livro de contos Ponto para ler contos, disponível na Amazon. Participou  também da Antologia Sombria organizada por André Vianco com o conto “Carrancas” (Editora Empíreo, 2017). Possui ainda vários contos publicados no blog Ponto Para Ler. Em novembro de 2017 se tornou colunista de literatura no portal Brasília de Fato. Nasceu e mora em Brasília, cidade que ama.
                Em primeiro lugar, gostaria de recomendar esse livro a todos que acompanham o trabalho do Paulo no Ponto para Ler (e fora dele). O livro é o resultado de anos de estudo e trabalho dentro do mercado editorial, seja como escritor ou como produtor cultural. Recomendo também para aqueles que gostam de misturar a realidade com o fantástico. Na obra de Paulo podemos ver o realismo fantástico de forma leve e envolvente. E por fim, aquela recomendação de sempre: leiam nacionais. Paulo Souza é mais um exemplo da gama cada vez maior de grandes autores contemporâneos. Basta você, caro leitor, dar uma chance e ver as maravilhas que são produzidas em território nacional.
Termino meu texto com um trecho do excelente prefácio do escritor e jornalista Marcos Fabrício: “A Literatura é um bom campo de reflexão e representação de nossas verdades. Nela, como num espelho, flagramos nossa incompetência e nossa sede de transformação. Clarice, a última Araújo, de Paulo Souza, tem tudo isso: água viva pra gente não cair em vidas secas”.

Bibliografia de PAULO SOUZA (ordem cronológica):

Livros:
  • Ponto para Ler Contos – Amazon (2016);
  • Antologia Sombria – Com o conto “Carrancas”, Editora Empíreo (2017);
  • Clarice, a última Araújo – Editora Penalux (2018).



Luciano Vellasco

Sou o cara que brinca de ser escritor e se diverte em ser leitor. Apaixonado por livros, fotografia e escrever. Jogador de rpg nos domingos livres, colecionador de Action Figures e Edições Limitadas de jogos. Cinéfilo, amante de series e animes. Estou sempre em busca de conhecer novas pessoas e aprender com cada uma delas e por último, mas não menos importante: um lendário sonhador.
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