RESENHA - O caminho do Poço das Lágrimas (André Vianco)


Ficha técnica:
Referência bibliográfica: VIANCO, André. O caminho do Poço das Lágrimas. São Paulo, Novo Século, 2008. 1ª edição, 199 páginas.
Gênero: Ficção.
Temas: Aventura, fantasia, morte.
Categoria: Literatura nacional.
Ano de lançamento: 2008.











“...caixões são feitos para irem ao cemitério, guardando em seu bojo a casca seca de alguém que um dia sorrira por aí, derrubara suas lágrimas na ocasião de perder um grande amor ou até mesmo vertera alguma de alegria ao descobrir na cidade cinza algo de bom e inesperadamente terno, sem dar tento que quando as lágrimas descolam de seu queixo pingariam em um poço perdido em lugar nenhum. A casca  seca que vinha ali certamente não guardava mais a energia radiante de quem a animara por anos a fio, fazendo contato com outras cascas que perambulavam por aí. Cascas que muitas vezes davam atenção demais a sua aparência ou ao que as outras cascas iriam pensar do seu modo de trajar ou falar sem se preocuparem com o que de fato era importante. O importante não eram as cascas, mas sim  a energia que emprestava por um tempo a todas elas o poder de se mover, o poder se se emocionar ou emocionar as outras cascas. O importante era compartilhar e fazer-se uma casca feliz e, na medida do possível, esparramar essa felicidade entre todas as outras casquinhas por aí, dando bom dia, sendo uma casca cortês, abraçando com vontade e sinceridade, sorrindo, dizendo para as outras cascas como era bom passar aqueles segundos que passam tão rápido entre as cascas antes de se deitarem num caixão que flutuava desfiladeiros acima, indo jazer no fundo de uma cova fria e escura.”
*O caminho do Poço das Lágrimas. Página 79.


                Um pai e seus dois filhos, um menino e uma menina, acordam em lugar estranho sem saber como foram parar lá. Estavam em uma viagem de volta para casa após as tão sonhadas e sempre prometidas férias serem mais uma vez interrompidas por um chamado urgente do trabalho do homem da casa. Estavam no carro e acordaram em um campo verdejante às margens de uma estrada de asfalto e de uma estranha floresta cortada por um singular caminho de pedras. Um caminho que parecia sussurrar pedindo para ser trilhado. Jonas, o pai, Ingrid e Bosco, os filhos, perdidos e um tanto confusos, sem saber o porquê, seguem pelo caminho de pedras na esperança de encontrar o carro e retomar a viagem. Ali encontram um estranho senhor que os adverte que nunca devem deixar o caminho e que por ele chegarão onde devem ir. Diz também que o pai não deveria estar ali. Nessa jornada, que será longa e extremamente esclarecedora, pai e filhos passarão por perigos e descobertas, do mundo e de si mesmos; descobrirão que existe um poço para onde vão todas as lágrimas do mundo, as de alegria e as de tristeza; e viverão uma aventura surreal e impressionante que irá lhes ensinar o valor das coisas que realmente importam.
                Este livro não é um grande épico ou uma história intrincada e elaborada cheia de reviravoltas e acontecimentos que podem mudar o mundo. Não é uma história onde os mocinhos devem lutar contra o mal que espreita e que busca e encontra a oportunidade de conquistar tudo. Não é uma história que exalta as façanhas de uma pessoa comum que se torna o herói da noite para o dia. Não é uma história em que o perigo está do lado de FORA. “O caminho do Poço das Lágrimas” é um daqueles livros que faz pensar. Sua trama é mágica e envolvente, embora seja apenas a singela história de um homem que, devido um acontecimento inesperado, percebe estar negligenciando o que tinha de maior valor em sua vida – seus filhos, sua esposa, sua família – em prol de uma causa tola e fútil: obedecer “aquele monstro voraz que habita a barriga dos homens, transformando os seres humanos em marionetes que sempre querem mais e mais sem saber muito bem o porquê” (pág. 29). Esta é uma história em que o perigo esta DENTRO de cada um dos leitores. Seus personagens são delineados e esboçados de maneira a torna-los familiares. Não familiares no sentido de que passamos a conhecê-los. Familiares por nos fazer enxergar a nós mesmo neles. Todos os pais e mães que gastam a maior parte do seu tempo com o trabalho e outras coisas “urgentes” e que se sentem segurando “um punhado de areia em cada mão” (pág. 14) ao não ter tempo de acompanhar atentamente o crescimento de seus filhos e demonstrar seu amor por eles; de todos os filhos que sentem que seus pais são pessoas a parte de seu mundinho; daqueles que negligenciam e se furtam a uma demonstração de afeto e de carinho, mesmo quando o sentem; de todas as pessoas que, por um motivo ou outro, não percebem o valor das pequenas coisas.  A história aqui não narra grandes feitos ou grandes acontecimentos. Ela narra, através de parábolas e metáforas, a jornada de autoconhecimento e percepção de valores e importâncias de um pai e seus filhos. Singelo e sutil, “O caminho do Poço das Lágrimas” não é um livro como a trilogia “O Senhor dos Anéis” (J.R.R. Tolkien) ou a trilogia “O Vampiro-Rei” (André Vianco). É um livro como “O pequeno príncipe” (Antoine de Saint-Exupéry). Para apreciar e pensar.

Alerta de Spoiler, clique para ver!

                Um dos aspectos mais notáveis da trama é a maneira como vai sento construída a percepção e compreensão, pelo trio protagonista, de um dos maiores mistérios da vida: a morte. Vale ressaltar que o desfecho do livro mostra de maneira alegórica e desprovida de grandes pretensões filosóficas que, para Vianco, “a morte não é uma vilã", como ele mesmo ressaltou em sua palestra na recente Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro em setembro deste ano. O livro ilustra a crença de que ela é tão somente uma passagem, uma outra aventura.

                Com capítulos curtos e bem elaborados, André Vianco mais uma vez lança mão de um texto com linguagem simples e acessível. O autor conduz o leitor de maneira que este compreenda a situação em que se encontram os protagonistas ao mesmo tempo em que eles próprios vão descobrindo as verdades por trás das metáforas. Entremeando os capítulos, as belas ilustrações de Lese Pierre, que alterna entre as várias técnicas – lápis, nanquim, arte-finalização digital – e vários tipos de traços – ora mais arredondado e infantil, ora mais pontiagudo e caricato –, confere ainda mais leveza à história que vai sendo contada. E o desfecho da trama se desenlaça com uma suavidade que emociona e – desafio aos mais duros corações – torna impossível reter as lágrimas e não contribuir com mais algumas gotas ao poço que intitula a obra.
                André Vianco, um talentoso contador de história da cidade de Osasco, tece neste livro um enredo com temática diferente daquela abortada em suas obras de maiores sucesso. O terror aqui é deixado de lado para dar vida a uma trama que foca nas relações humanas e espirituais. Mas não é esta sua primeira aventura neste tipo de história. Livros como “A casa” e “Semente no gelo” também bebem dessa fonte mostrando que a imaginação do autor não é povoada apenas por vampiros. Por fim, é importante comentar que neste livro também está presente uma das características do autor: a inserção sutil de uma referência à outra obra sua. Para os leitores veteranos de Vianco, será absolutamente fácil identificar de que obra se trata. Para os iniciantes, bem, estes terão que ler mais alguns dos livros do autor (e ler o livro em questão) para poder identifica-la. “O caminho do Poço das Lágrimas” é um livro para todas as idades e todos os leitores e, principalmente, para aqueles que precisam descobrir ou já descobriram o que realmente importa na vida de cada um.



Bibliografia de André Vianco (ordem cronológica):

Livros:
  • Os Sete – publicação independente (1999); republicado pela Novo Século (2001);
  • O Senhor da Chuva – Novo Século (2001);
  • Sétimo – Novo Século (2002);
  • A casa – Novo Século (2002);
  • Bento – Novo Século (2003); relançado e renomeado como “O Vampiro-Rei 1: Bento” pela Novo Século (2011);
  • Sementes no gelo – Novo Século (2005);
  • O Vampiro-rei – Vol. 1 – Novo Século (2005); relançado e renomeado como O Vampiro-Rei 2: A bruxa Terezapela Novo Século (2011);
  • O Vampiro-rei – Vol.2 – Novo Século (2005); relançado e renomeado como O Vampiro-Rei 3: Cantarzopela Novo Século (2011);
  • O Turno da Noite – Vol. 1: Os filhos de Sétimo – Novo Século (2006);
  • O Turno da Noite – Vol. 2: Revelações – Novo Século (2006);
  • O Turno da Noite – Vol. 3: O livro de Jó – Novo Século (2007);
  • O Turno da Noite – Volume Único – Novo Século (2008);
  • O caminho do Poço das Lágrimas – Novo Século (2008);
  • O caso Laura – Rocco (2011);
  • Crônicas do fim do mundo: A Noite Maldita – Novo Século (2013);
  • Zumbi: o terrível ataque das rãs do Nepal (Série Meus Queridos Monstrinhos) – Rocco Pequenos Leitores (2013).


Grafic Novels:
  • Vampiros do Rio Douro – Vol. 1 – Novo Século (2007);
  • Vampiros do Rio Douro – Vol.2 – Novo Século (2007);
  • O Turno da Noite – Escuridão Eterna – Novo Século (2012).


Participações:
  • Amor Vampiro – participação com o conto “A canção de Maria”, Giz Editorial (2009);
  • Geração Subzero – participação com o conto “A canção de Maria”, Editora Record (2012).

Helkem Araujo

O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais; há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessoa; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde está, que tem saudade; sei lá de quê! - Florbela Espanca
Leia Mais sobre a autora

Comentários
1 Comentários

Um comentário :

Deixe o seu comentário!