Ficha técnica:
Referência bibliográfica: CALDELA,
Leonel. O código élfico. 1ª edição. Rio de Janeiro, Fantasy Casa da Palavra (selo
da Editora Leya), 2013. 573 páginas.
Gênero: Fantasia; ficção.
Temas: Elfos, filosofia, artes marciais,
magia, invasão e dominação da Terra, subjugação da raça humana.
Categoria: Literatura nacional.
Ano de lançamento: 2013
“Ela estava pensando, com toda a confiança, em sair do tempo. Ela havia
seguido um mercenário, um estranho que deixava uma trilha de cadáveres atrás de
si. Ela estava convencida de que tinha como amigo uma criatura mítica. Uma
criatura com quem ninguém mais conseguia falar.
_ Estou louca _ disse em voz alta.
Preparava-se para ser treinada por esse homem, esse elfo que falava a
língua fictícia que ela aprendera durante a adolescência, por diversão. Após
esse treinamento, ela, Nicole Manzini, salvaria o mundo de uma invasão que
ninguém mais conhecia. Um treinamento reservado só a ela, porque era especial.
Até mesmo o mercenário sumira, desde que ela entrou nesse lugar
maravilhoso onde prometiam transformá-la em heroína, onde haviam lhe explicado
a história do secreta do mundo.
Era tudo loucura. Tudo
uma imensa alucinação.
Ela estava sendo caçada por homens maus que nunca conseguiam apanhá-la.
Encontrava criminosos que morriam sem deixar vestígios. Escapava de massacres
que eram abafados por uma conspiração sinistra, impedindo que qualquer
autoridade ficasse sabendo. Sentia pavor.
_Meu Deus, o que está acontecendo comigo?”
*O código élfico (pág. 365).
Os seres humanos são a espécie
dominante do planeta Terra, certo? Se não fosse assim, qual seria o papel da
humanidade na história?
Quando Astarte – príncipe de Arcádia e último filho da raça
dos elfos – completa seu treinamento segundo o código do nobre guerreiro
élfico, domina todas as artes e habilidades élficas e se torna um arqueiro, é
chegado o momento de enfim conhecer o seu destino e seu papel na sociedade
regida por sua mãe, a Rainha da Beleza: abrir o portal a muito selado que
conecta Arcádia à Terra e assim permitir que os elfos novamente exerçam seu
domínio por direito ao mundo dos homens e recoloque a humanidade em seu devido
lugar, escravos de sua raça infinitamente superior. Mas Astarte não conhece seu
destino e quando este lhe é apresentado, não parece certo, nobre ou condizente
com tudo o que lhe fora ensinado. Quando Nicole – filha de um cultista assassino, princesa das conspirações,
famosa em sua terra e fora dela por todas as tragédias, mortes, abduções e
estranhas coincidências ao seu redor – se vê obrigada a abandonar seu mestrado
quase concluído em filosofia na Europa e voltar para a cidade de Santo Ossário
onde nasceu e cresceu e para onde jurou jamais voltar, muito do seu passado e das
razões para todas as estranhezas em sua vida serão explicadas. E, na garupa das
respostas, muito do seu destino ficará desconfortavelmente claro. Quando mais
um Festival de Cinema transformar a pequena e pitoresca cidade interiorana de
Santo Ossário em uma passarela onde desfilarão as maiores beldades da Terra;
quando o príncipe dos elfos despertar no mundo dos homens pela ciência e a
magia combinadas por uma antiga família dedicada ao culto à deusa e aos
senhores elfos; e quando a princesa das conspirações estiver de volta à sua
cidade natal, um grupo de cultistas de uma deusa antiga e cruel, liderados por
Emanuel Montague, o Dragão, estarão preparando o terreno e os rituais sagrados para
o retorno da deusa e senhora dos elfos, a Rainha da Beleza. E então, mais uma
vez, o domínio desses seres de vida eterna será estabelecido e os humanos serão
escravos. Em oposição às forças dos elfos, da Rainha, do Dragão e dos cultistas
se postarão Astarte, Nicole e uns poucos conhecedores dos mistérios de Santo
Ossário e do verdadeiro sentido do código élfico. Duas espécies diferentes,
dois objetivos distintos, quatro seres – dois predestinados (Astarte e Nicole)
e dois imbuídos de vontade e poder (o Dragão e a deusa) – com papeis
fundamentais no desenrolar dos fatos. Um representante de cada raça em cada
lado da balança. A guerra pelo domínio da Terra irá começar.
As páginas dessa narrativa apresenta uma história de
transmissão de conhecimentos; de treinamentos e preparação de guerreiros; da
supremacia de uma raça superior e do culto a essa raça por uma outra inferior;
da tentativa de retorno e dominação dos lordes élficos e de uma deusa maligna;
da força e do poder da vontade; de guerra. Nesta história, os elfos personificam
uma gigantesca contradição: são seres imortais (a menos que sejam assassinados
ou escolham morrer de velhice),
belos, em comunhão completa com a natureza, amantes da beleza, das artes, da
poesia e da filosofia; e simultaneamente são seres arrogantes e convencidos de
sua superioridade, escravocratas impiedosos, cruéis e sanguinários que
encontram divertimento em caçar e exterminar humanos. O conceito literário
aplicado a eles se assemelha aquele estabelecido por J.R.R. Tolkien, mas,
diferente de seus semelhantes da Terra Média, os elfos de “O código élfico” não prezam pela bondade e justiça. Entretanto, um
ponto deve ser explanado: a própria narrativa esclarece que houve um passado
distante em que os elfos eram bons, praticavam e transmitiam os verdadeiros
valores do código élfico (representados pela filosofia e o treinamento na
arquearia), mas a raça corrompeu-se e degenerou para os valores atuais. A
filosofia élfica, da maneira como é apresentada, parece se inspirar nas
culturas orientais e inclusive – dentro da realidade em que se insere a trama –
sugere que estas, de maneira inversa, foram inspiradas na cultura élfica. Outro
conceito de difícil interpretação é a relação entre a vontade de um ser e o seu poder e sua capacidade de realizar algo.
De um modo geral, “abstrato” é a
palavra que mais se aproxima da função de traduzir as ideias contidas nessa
obra.
A narrativa é intricada e confusa no princípio, repleta de
idas e vindas no tempo e no espaço, além da relação temporal divergente entre a
Terra e Arcádia, características que podem deixar o leitor um tanto perdido até
que ele entenda a dinâmica da história.
Conceitos filosóficos sobre a arte e o pensamento guerreiro – e o
próprio treinamento em si – são elementos constantes no texto e transmitem
noções bastante subjetivas que requerem um bom nível de abstração para ser
assimilado. Mas à medida que o enredo prossegue e as questões vão sendo explicadas,
a leitura flui com maior facilidade. E, com a aproximação do ápice da história,
a leitura se torna mais dinâmica e fluída em virtude da gradativa aceleração
dos acontecimentos. E o auge da narrativa se concentra na batalha final. Muitas
reviravoltas e muitos eventos constroem o cenário caótico e intricado de um
grande e épico desfecho.
Em todos os momentos da história, é interessante observar a
construção dos personagens e o modo como o autor se vale deles. São, em sua
maioria, seres pitorescos com características, razões e motivações bastante
peculiares. Por mais que a premissa seja simples a princípio – humanos como o
elo fraco e indefeso da corrente, elfos como o elo forte e dominante; os que
querem dominar, os que desejam servir, aqueles que tentam resistir – as
características pré-estabelecidas se diluem e se fundem e, no fundo, cada
personagem é muito mais do que parece, muito mais complexo e insondável. Algo
importante a ressaltar: mortes são frequentes e corriqueiras. O autor, Leonel
Caldela, não vê problemas em se desfazer dos personagens tão criteriosamente
construídos, independentemente do lado da balança em que estejam. Uma característica
marcante do autor também se faz presente nesta obra: pequenas doses de sadismo
permeiam a trama, seja nas experiências realizadas em Nicole durante suas
abduções, seja nas atitudes dos elfos dispensadas aos humanos, seja na forma
das mortes de vários dos personagens. Não chega a ser chocante mas é, sem
dúvidas, bastante inquietante.
Narrado em terceira pessoa por um narrador observador, em “O código élfico” o foco da narrativa se
divide entre os conceitos abstratos da Filosofia e do treinamento élfico e a
ação dos preparativos e dos atos de guerra.
Como explanado anteriormente, a narrativa é um tanto truncada no início
mas ganha maior fluidez com o desenrolar da trama. Os capítulos são divididos
em três Partes que dão o tom do ritmo da trama. A formatação do livro é simples
mas muito condizente com o espírito da história e o pequeno símbolo do arco e
da flecha utilizado nas pausas textuais demostram de forma sutil e delicada o
cuidado dispensado à apresentação visual da obra.
E o mestre dessa jornada ao
mundo e aos princípios élficos é Leonel Caldela, brasileiro apaixonado por RPG
e morador da cidade de Porto Alegre no Rio Grande do Sul. No campo do RPG,
Caldela escreve, edita e traduz livros e manuais pela Editora Jambô. Como
escritor de romances, o autor teve sua grande estreia com a obra “O inimigo do mundo”, primeiro volume da
aclamada Trilogia da Tormenta baseada no cenário brasileiro de RPG de mesmo
nome. Possui em seu currículo dois outros títulos, dessa vez em cenário
próprio: “O caçador de apóstolos” e “Deus máquina”. Com seu “O código élfico”, Caldela reforça suas
marcas registradas e seu talento para criar histórias complexas e bem contadas,
onde nem tudo é tão simples quanto parece. E assim, “O código élfico” é um livro para ser apreciado por quem nutre gosto
por aventuras e desafios e por aqueles que gostam de ser surpreendidos por um
desfecho inesperado.
Bibliografia de Leonel Caldela (ordem
cronológica):
Livros:
- O inimigo do mundo – Jambô (2004);
- O crânio e o corvo – Jambô (2007);
- O Terceiro Deus – Jambô (2008);
- O caçador de apóstolos – Jambô (2010);
- Deus máquina – Jambô (2011);
- O código élfico – Fantasy Casa da Palavra (2013).
Participações:
- Crônicas da Tormenta – Jambô (2011) com os contos “História de Herói” e "Ressurreição".
Categorias:
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Resenhas
O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais; há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessoa; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde está, que tem saudade; sei lá de quê! - Florbela Espanca
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Hm achei interessante =3=
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