Gêneros Literários: Você sabe o que é Romance Policial?

* Gênero caracterizado pela investigação de um crime se vale da curiosidade perante um mistério para prender a atenção do leitor *



Romance policial



O que há em comum nas obras “O cão dos Baskervilles” (1902 - Sir Arthur Conan Doyle), “Assassinato no Expresso do Oriente” (1934 - Agatha Christie), “O nome da Rosa” (1980 - Umberto Eco), “O Código Da Vinci” (2003 - Dan Brown) e “Os homens que não amavam as mulheres” (2005 - Stieg Larsson)? Você pode responder que esses livros ganharam suas versões cinematográficas. E está inteiramente correto! Mas há ainda uma outra característica em comum que todos eles compartilham: são representantes do mesmo gênero literário, o Romance Policial.
                Agora, permita-me fazer outra pergunta: você sabe o que é Romance Policial?
                Há um consenso de que o gênero teve sua origem em meados do Séc. XIX, com a publicação da obra “Assassinatos da Rua Morgue” (Edgar Allan Poe) no periódico Graham's Magazine em abril de 1841.  E, como tantos outros gêneros literários, o Romance Policial nasceu e floresceu como folhetins publicados em periódicos (jornais e revistas), encontrando nesse tipo de publicação um meio de disseminação muito propício ao seu maior recurso narrativo: a curiosidade ante ao mistério (em virtude disso, o gênero é igualmente denominado “Narrativa de mistério”). Também no Brasil o gênero encontrou seu berço nos folhetins, mais de meio século depois. O primeiro representante do gênero em solo brasileiro foi a obra “O mistério” (Coelho Neto, Afrânio Peixoto e Medeiros e Albuquerque), publicada em 1920.
                Como o próprio nome faz supor, a engrenagem que move um Romance Policial é a investigação de um crime. Embora haja poucas e notáveis exceções, a grande maioria das obras do gênero utiliza uma fórmula bastante simples: descoberta de um crime (desaparecimento, assassinato, sequestro, roubo, etc); apresentação da(s) vítima(s) e do(s) agente(s) de investigação (detetive, membros da força policial, advogado, etc); busca por pistas e suspeitos; e resolução e identificação do(s) autor(es). Entretanto, embora a fórmula-base seja simples, a construção da história em si geralmente apresenta doses consideráveis de complexidade, uma vez que é a dificuldade em resolver o mistério proporcionado pelo crime e as reviravoltas na investigação que movimentam a trama.

“Uma das premissas da literatura policial é de que, em havendo um crime, haverá dificuldades para esclarecê-lo.”
 Paulo Polzonoff Jr. (Le Monde - Diplomatique Brasil)
               
   Nesse contexto entra em cena um dos mais emblemáticos arquétipos da Literatura: o detetive. Esse papel pode ser efetivamente assumido por um detetive particular – nos moldes do famoso Sherlock Holmes, criado pelo talentoso Sir Arthur Conan Doyle – ou mesmo de um membro da força policial, na ativa ou não – como o Delegado Espinosa, do brasileiro Luiz Alfredo Garcia-Roza. Pode ainda, mais raramente, ser personificado por um personagem não tão familiarizado com a arte da investigação, mas que possui um motivo muito forte para assumi-la no contexto da trama: um advogado, um parente da vítima, etc.
                É na figura do detetive que geralmente a trama se concentra. Trabalhando sozinho, com o auxílio eventual de terceiros ou mesmo chefiando uma equipe de investigadores, esse personagem carrega a função de elucidar, de forma lógica e verossímil, o modo como o crime ocorreu, quem o cometeu e porquê. A maneira desse personagem pensar e agir geralmente dá o tom da narrativa.
                Outra característica muito comum no gênero, principalmente nas produções mais recentes, é a tendência em empregar métodos narrativos para aproximar o leitor do detetive. O leitor é convidado não só a participar do processo de investigação do crime, como também a compartilhar da vida do detetive. Suas manias, seu modus-operandi, seus conflitos pessoais e profissionais, suas deduções e hipóteses, suas falhas e vitórias, os riscos que corre no processo. Todos os artifícios narrativos são válidos para tirar o leitor da posição de expectador e colocá-lo na posição de cúmplice do investigador-protagonista. Outra tendência recente do gênero é desconstruir o estereótipo de “gênio da dedução” e tornar o detetive uma figura mais humana, sujeita a falhas e decisões questionáveis, mas dotado de persistência e empenho na investigação.
   Tão importante quanto o detetive para a construção da trama é a figura do criminoso. Diferente do investigador, cujos moldes são bem delimitados (em maior ou menor grau), a apresentação do “vilão” não costuma seguir padrões. Os dois recursos mais comuns – porém não os únicos – utilizados pelos(as) autores(as) para representá-los são: a narrativa acompanha o desenrolar do ato criminoso no início da trama (ou o ato já aconteceu quando a trama começa) sem fornecer elementos que possam identifica-lo (nome, gênero ou qualquer outro elemento) e o ignora totalmente até a revelação de sua identidade ao término da investigação; ou a narrativa dedica pequenos trechos a ele ao longo da história, fornecendo doses controladas de suas ações pós-crime, seus pensamentos, suas tentativas de atrapalhar a investigação, suas investidas contra o investigador ou outro personagem que eventualmente se aproxime da verdade sobre sua identidade, sem nunca revelar elementos que possam levar o leitor a identifica-lo de forma óbvia.
   E aqui se faz presente um ponto chave do gênero: embora a identidade do autor do crime seja quase sempre o grande mistério a ser solucionado, pequenas pistas, geralmente sutis, desafiam o leitor mais atento a chegar à solução do mistério antes de ela ser escancarada pelo investigador-protagonista. Há também os autores que optam por revelar de antemão quem é o criminoso. Essa revelação pode ser feita aos personagens da trama ou somente ao leitor. No primeiro caso, o desafio ao investigador (e consequentemente ao leitor como seu cúmplice), é descobrir o como ou o porquê. No segundo, a tática para prender o leitor é a curiosidade sobre como ou se o investigador vai chegar a uma conclusão. 


"O interessante, por vezes, não é saber quem, mas por quê. Conhecer os caminhos que levam uma pessoa a sair da linha cotidiana dos seus atos para cometer um delito é instigante, bem como saber qual caminho o investigador seguiu para chegar ao(s) culpado(s)."
José Figueiredo (Homoliteratus)
      
 Em linhas gerais, pode-se dizer que o Romance Policial se apropria de uma situação factível e envolta em mistérios para aguçar a empatia e a curiosidade do leitor, conduzindo-o por duas linhas antagônicas: a do autor do crime e de como e por que ele o cometeu; e a do investigador e sua trajetória na identificação do culpado.      

Desse modo, pode-se listar como principais características do Romance Policial:

  • Enredo verossímil;
  • Um crime (ou mais de um) a ser desvendado;
  • O gatilho para a trama é o crime/mistério, porém a força motriz é o detetive/investigador;
  • Instiga no leitor a tentativa de elucidar ele mesmo o mistério da trama;
  • Distribuição de pistas mais ou menos sutis ao longo da narrativa para a resolução do mistério;
  • Recorre à empatia do leitor para com a vítima e ao desejo de justiça;
  • É muito comum o autor criar um personagem detetive que está presente em todos ou quase todos os seu livros, formando uma série que, embora obedeça uma ordem cronológica dos acontecimentos, são formadas por histórias fechadas em casos, sendo que cada livro representa um caso específico. 

"O leitor é mantido, através de técnicas como o suspense, num estado de dependência relativamente à procura de um sentido, numa lógica pela qual apenas ‘o que falta ler irá reestruturar o sentido provisório do que já foi lido’, porque só a conclusão da narrativa trará um sentido que, afinal, já estava contido no início e disseminado ao longo do texto."
(Infopédia)
              
         Filosoficamente, é possível fazer algumas considerações acerca do gênero. A primeira e mais significativa é a de reafirmar o princípio ético da estranheza e aversão perante o crime. Mais que o desejo de desvendar o mistério pelo simples desafio, a motivação do investigador e daqueles que o auxiliam (colocando o leitor em posição semelhante) é obter justiça e demonstrar que não existe crime perfeito. Cada obra em si pode ainda levantar críticas aos mais diferentes aspectos da vida social, com maior ou menor veemência (a depender unicamente da intenção do autor), uma vez que no caminho da elucidação do crime, muitos comportamentos, opiniões, posicionamentos e atitudes escusas dos personagens, tanto da vítima quanto dos suspeitos, são escancarados e questionados. Nesse jogo, até mesmo a crescente intimidade do leitor com o investigador serve como ponte para abordar temas mais delicados.                        

"Toda a boa literatura policial lida com valores éticos claros. Para começar, os mais óbvios de todos: o mal precisa vencer o bem e a justiça precisa triunfar. Há, aqui, dois pontos bem interessantes, sobretudo no que diz respeito ao triunfo da justiça. Sabemos que na vida ela nem sempre triunfa. (...) Estou quase certo de que você jamais pensou nisso, mas a literatura policial serve, quando não para reafirmar as bases da justiça, para confundir nossa noção do que é certo e errado."
Paulo Polzonoff Jr. (Le Monde - Diplomatique Brasil)

Confira abaixo alguns(as)  autores(as) representantes do gênero e seus respectivos detetives:   


LITERATURA ESTRANGEIRA:
·      Edgar Allan Poe – detetive Auguste Dupin
- Principais obras: “Os assassinatos da Rua Morgue” (1841); “O mistério de Marie Rogêt” (1842); “A carta roubada” (1844)
·      Sir Arthur Conan Doyle – detetive Sherlock Holmes
- Principais obras: “Um estudo em vermelho” (1887); “O signo dos quatro” (1890); “O cão dos Baskervilles” (1902)
·      Agatha Christie – detetive Hercule Poirot
- Principais obras: “O Assassinato de Roger Ackroyd” (1926); “Assassinato no Expresso do Oriente” (1934); “O caso dos dez negrinhos / E não sobrou nenhum” (1939); “Cai o pano” (1975)
·      Raymond Chandler – detetive Philip Marlowe
- Principais obras: “O sono eterno” (1939); “Janela para a morte” (1943); “O longo adeus” (1953)
·      Patricia Cornwell  – médica-legista Kay Scarpetta
- Principais obras: “Post-Mortem” (1990); “Desumano e degradante” (1993); “Livro dos mortos” (2007).










































LITERATURA NACIONAL:

·      Luiz Lopes Coelho
- Principais obras: "A morte no envelope: contos policiais" (1957); "O homem que matava quadros" (1961); "A ideia de matar Belina" (1968)
·      Rubem Fonseca – advogado Mandrake
- Principais obras: "O caso Morel" (1973); "Feliz Ano Novo" (1975); "Bufo & Spallanzani" (1985)
·      Jô Soares – delegado Mello Pimenta
- Principais obras: "O Xangô de Baker Street" (1995); "Assassinatos na Academia Brasileira de Letras" (2005)
·      Luiz Alfredo Garcia-Roza – delegado Espinosa
- Principais obras: "O silêncio da chuva" (1996); "Uma janela em Copacabana" (2001); "Espinosa sem saída" (2006)
·      Mário Prata – detetive Ugo Fioranti
- Principais obras: "Sete de paus" (2008); "Os viúvos" (2010)



























Creditos:
- Imagem principal: Blog da Coleção Negra.
- Imagens de capas: divulgação.

Fontes:

Helkem Araujo

O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais; há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessoa; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde está, que tem saudade; sei lá de quê! - Florbela Espanca
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