Há uns dias atrás, eu postei a resenha do
livro Quando ela desaparecer, do Vitor Bonini. Caso você ainda não
tenha visto, clique aqui para conferir as
minhas opiniões sobre o livro, e se você leu a resenha, provavelmente já sabia
que eu estava planejando esse texto para falar um pouco mais sobre dois temas
que me chamaram atenção na história: bullying e machismo. Antes de mais nada,
preciso dizer que nesse texto não vou contar nada que estrague sua experiência
de leitura, mas vou revelar alguns pontos mais leves da história para
contextualizar o tema. Então se você não gosta de saber nenhum detalhe, sugiro
ler o livro antes desse texto.
Aviso dado, vamos ao assunto principal,
mas não antes de resgatar sobre o que o livro se trata. Quando ela
desaparecer conta a história de Kika, uma garota que desapareceu
durante um passeio escolar praticamente sem deixar rastros. Acompanhamos então
as investigações para encontrá-la e, por isso, ficamos sabendo bastante de sua
vida escolar. Acontece que Kika era uma garota com uma beleza que chamava
bastante atenção e, como ainda acontece atualmente, isso significa que ela
atraía a paixão dos garotos e a inveja de algumas garotas.
Como resultado disso, Kika teve vários
relacionamentos “amorosos” em sua escola, porém ela também foi excluída pelas
meninas que tinham inveja dela. Não só isso, Kika era difamada por essas
garotas, que usavam termos pejorativos para se referirem a sua aparência e aos
seus comportamentos, incluindo os sexuais. Esse tipo de relacionamento na
escola pode parecer algo ruim ou simplesmente algo normal, afinal não é algo
incomum, porém pode ser extremamente danoso para pessoa que tem que ouvir isso
todos os dias.
Usando minhas memórias das aulas de
Psicologia, lembro do meu professor explicando que o bullying é
caracterizado por ações de violência intencionais e contínuas contra uma pessoa
indefesa. Esses atos podem se referir a danos físicos e/ou psicológicos às
vítimas. Tal como Kika, vítima dessa história, diariamente era isolada e
difamada pelas costas pelas garotas da sua escola, não chegando a ter ninguém
que pudesse verdadeiramente chamar de “amigo”.
Algumas pessoas costumam, inclusive,
questionar a capacidade das pessoas se defenderem desses atos de violência,
muitas vezes esquecendo de que é a ação de várias pessoas contra uma só. Além
disso, os agentes da escola, e nisso eu incluo todos os funcionários, muitas
vezes são incapazes de ver e agir contra esses atos de bullying, deixando a
vítima verdadeiramente sozinha e desamparada. Um outro exemplo de como isso
acontece na escola é outro personagem, o Eduardo Ramoña, que também é vítima de
violências físicas e verbais, além do isolamento social, com ciência dos
agentes escolares, e não é feito nada sobre o caso.
Outro ponto de destaque que acho
importante é a diferenciação entre um bullying mais “ativo”, que envolve a
violência física e verbal, e um bullying mais “passivo”, que envolve o
isolamento social. O prejuízo que as agressões físicas causam sempre são mais
perceptíveis, mas atualmente o dano causado por agressões verbais já é estimado
e ações, incluindo de punição, contra os praticantes dessas violências começam
a ser tomadas em alguns locais. Infelizmente, muito deixam de ver o dano que o
isolamento social também pode trazer para a saúde mental da vítima.
Inclusive, uma pesquisa realizada pela
Psicologia investigou a correlação entre o bullying e os
gêneros. Os resultados mostraram que meninos cometiam mais o tipo de bullying voltado
para prática de violências, sejam elas físicas ou verbais, e as meninas uma
tendiam a praticar o tipo de bullying que levam a
esse isolamento social, o famoso “dar um gelo”. Essa mesma pesquisa fez um
levantamento e constatou que esse isolamento, em alguns casos, acaba sendo mais
prejudicial do que as agressões.
A minha hipótese para isso está pautada
para o fato de nós, humanos, sermos seres sociais, ou seja, nossa cultura e
sobrevivência está pautada ao convívio em sociedade. Ao sermos privados disso,
através do isolamento, somos lesados em alguns aspectos. Claro que o bullying pautado em
atos de violência quase sempre causa danos físicos e/ou psicológico, mas não
devemos ignorar o sofrimento que também é gerado pela privação das relações.
Recuperando minhas memórias do tempo de
escola, eu lembro claramente de um exemplo disso. Uma garota que, como a Kika,
não era a favorita de ninguém na sala. Contudo, até hoje não consigo achar justificativas
para o que faziam com ela. Quase todos implicavam com a forma que ela agia,
havendo inclusive uma “solidariedade” dentro da turma que contribuía para ela
ficar isolada. O pior da história é que ninguém se importava de
trata-la assim e nenhum agente da escola fez qualquer coisa a respeito. Volta e
meia eu acabava interagindo com ela, mesmo não a considerando, nem de longe,
minha pessoa favorita, simplesmente por perceber que esse era o jeito dela e
isso não a tornava a pior pessoa do mundo.
No livro, uma das alunas também era mais
próxima de Kika e acabou sendo de grande importância para o desenvolver da
história. O ponto é que, independentemente do quão legal ou ruim você achar que
certa pessoa é, isolá-la pode não deveria ser a única resposta. No livro Quando
ela desaparecer, o sofrimento de Kika quanto ao isolamento não era o foco
e, como ela não era a narradora da história, só temos como conhecimento a
externalização de que isso não a afetava, sendo que ao final do livro
percebemos que isso realmente é possível (e vou parar de falar por aqui,
afinal, prometi não dar spoilers).
Todavia, quando pensamos em determinados
fenômenos, precisamos avaliar o geral para entender casos específicos. A partir
daqui, cabe entender o machismo por trás do bullying que Kika
sofria e como isso pode retratar a vivência escolar de diversas garotas,
principalmente no ensino médio, e pode não só gerar sofrimento como reproduzir
pensamentos que são prejudiciais.
Kika era bastante reconhecida pela sua beleza, fazendo com
que ela se destacasse dentre as demais meninas. Ainda que muitas pessoas tentem
ressaltar a importância de outras características que fogem à aparência, e eu
me incluo nesse grupo, não podemos negar que os livros são sim julgados pela
capa, principalmente à primeira vista e sem recomendações. Em outras palavras,
quando você conhece alguém pela primeira vez, o que você avalia e julga é a
aparência.
Por conta disso, ela chamou muita atenção
de muitos garotos e gerou inveja em muitas garotas. E devido Kika ter muitos
relacionamentos, passou a ser julgada por isso, sendo que a sua “vulgaridade”
foi uma das coisas mais destacadas pelos seus colegas durante as investigações.
A história se passa em 2012, ano em que os discursos feministas eram muito mais
tímidos no espaço público do que atualmente.
Nessa época, a ideia de mulheres apoiarem
outras mulheres, ao invés de vê-las como concorrentes praticamente não existia
e a competição feminina ainda era via de regra. Mesmo assim, nos dias de hoje
algumas pessoas acreditam que garotas que ficam com vários garotos se dão
“menos valor” do que as demais, mesmo entre as garotas. Claro que isso tem uma
origem histórica, mas somente alimenta as chances das mulheres se verem como
competidoras, julgarem umas as outras e isolar àquelas que não só pensam, mas
agem de modo diferente.
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