RESENHA - O Homem que Odiava Machado de Assis (JOSÉ ALMEIDA JUNIOR)

José Almeida criou uma narrativa ousada que retrata a vida de um homem que odeia um dos nossos maiores escritores 

Ficha técnica:
Referência bibliográfica: ALMEIDA JÚNIOR, José. O Homem que Odiava Machado de Assis. 1ª edição. São Paulo, Faro Editorial, 2019. 240 páginas.
Gênero: Ficção histórica;
Temas: Romance histórico;
Categoria: Literatura Nacional;
Ano de lançamento: 2019

“Depois de conversar com Carolina, pensei nas palavras de Sílvio Romero sobre escrever minhas memórias. Teria de tomar a decisão de imediato. Caso não começasse logo a escrevê-las, as mãos trêmulas e a visão gasta pela idade não permitiriam que as concluísse”
Tinha receio de que minhas revelações pudessem macular a história de Carolina. Seria uma narrativa de amor que Eça de Queiroz adoraria publicar. A morte de machado de Assis, porém, apagou qualquer resistência à publicação de minha biografia. Além do mais, as homenagens hipócritas que acabara de presenciar me levaram a querer mostrar a verdade. 
Sílvio Romero tinha razão, não havia mais tempo a perder.
*O Homem que odiava Machado de Assis (pág. 04).



                Dois garotos de origens muito diferentes foram forçados a conviverem juntos por alguns anos e acabaram por entrelaçar suas trajetórias por conta do destino. Pedro, um garoto de família rica se ver obrigado a conviver com um agregado que anos mais tarde, já em sua vida adulta, seria seu grande rival. Ninguém mais, ninguém menos do que Machado de Assis, um dos mais célebres escritores brasileiros. Afinal, ter como adversário o escritor de maior prestígio na literatura brasileira não deve ser fruto apenas do acaso, mas de uma maldição.
                O Homem que odiava Machado de Assis é uma obra de ficção histórica escrita pelo autor brasiliense José Almeida Júnior e publicado pela Faro Editorial. Na história conhecemos Pedro Junqueira, filho de um poderoso cafeicultor e dono de escravos. Aos seis anos o garoto perdeu a mãe que morreu em decorrência de tuberculose. 
Seu pai, sem qualquer tempo ou disposição para educá-lo, o envia para a casa da tia materna Maria José, no Morro do Livramento, no Rio de Janeiro. Lá ele conhece Joana, filha da cozinheira da casa e Joaquim, filho do pintor com uma agregada de Maria José. Forçado a conviver com “pessoas inferiores”, Pedro acaba desenvolvendo uma enorme rivalidade com o garoto matreiro Joaquim, que vivia lhe pregando peças. Mal sabia ele que o destino faria muito mais do que simplesmente forçá-lo a conviver com o mulato. 

(imagem)

                Eu não vou mentir, estava com um pé atrás em relação a essa obra. Não pelo autor, que já provou ser extremamente competente em seu livro de estreia, não pela editora, que acompanho a tantos anos e nunca me decepcionei, mas pela temática da obra. É fato notório que a maioria das pessoas já teve algum problema com livros clássicos. O meu, em específico, foi a obrigatoriedade de ler tais clássicos “chatos” em uma época em que claramente não estava preparado para eles. Essa obrigatoriedade me distanciou da leitura e eu sei que alguns de vocês vão se identificar com isso. 
                Porém, mesmo relutante, apostei na competência do autor e no dedo bom do Pedro Almeida, editor da Faro, em publicar obras excelentes. E qual foi minha grata surpresa quando o livro me fisgou ainda no primeiro capítulo, após Pedro, o protagonista da obra, dizer que não só odiava Machado de Assis, como também o acusava de ser falsário, ladrão de ideias e o grande responsável por ter perdido seu grande amor. Bateu de imediato aquela curiosidade de descobrir sobre o que exatamente Pedro estava acusando Machado. Ora, ele é um dos maiores escritores brasileiros. O que ele teria feito? Resultado: devorei o livro em dois dias, enquanto voltava da minha viagem de Foz do Iguaçu. 
                Na história acompanhamos a jornada de Pedro Junqueira por praticamente todas as fases de sua vida. Num primeiro momento podemos até imaginar que o autor irá usar e abusar da figura Machado de Assis, mas não é isso que acontece. Embora seja o motivador de muitos acontecimentos, o célebre escritor não é o centro da narrativa. E falando em narrativa, ela é muito fluida. Nada de palavras pomposas ou datadas para dar aquela sensação de “livro da elite”. E isso foi justamente um dos motivos que me fisgou para uma leitura rápida. 
                Já no primeiro capítulo, Pedro acompanha de longe o funeral de Machado. Nele o protagonista fala sobre seu desprezo pelo autor e seus amigos da Academia Brasileira de Letras. Embora ele não deixe claro o que Machado havia feito, era quase palpável o ódio que o protagonista sentia pelo escritor recém falecido. E após uma breve conversa com Sílvio Romero, um antigo colega e também inimigo jurado de Machado, Pedro decide escrever sobre suas memórias, iniciando assim uma narrativa de amor, intrigas, traições e muitas revelações tem início. 

Depositei no mausoléu uma flor e fiz uma oração. O gesto não foi em memória de Machado de Assis, mas de Carolina, por quem eu nutria profundo amor e respeito. O Escritor ateu não merecia que eu gastasse com ele o pouco de fé que eu possuía. Ele que se virasse para explicar ao Altíssimo todas as maldades que causara a mim e a sua esposa. Dificilmente escaparia do Juízo Final, pois, além de tudo, tinha recusado a extrema-unção do padre nos momentos anteriores a sua morte.

O ponto alto da narrativa de José na minha opinião é justamente seu personagem principal. Pedro é muito bem construído dentro da trama. Cheio de defeitos e vícios por conta de sua vida regada a falta de amor paterno e dinheiro sem limites, ele é por muitas vezes impulsivo e sem escrúpulos, indo até às últimas consequências para conseguir algo.  Pela sua criação, ele achava que seu poder, influência e dinheiro poderia resolver tudo na vida. E isso reflete bastante em seu amor quase doentio por Carolina. Ele é um personagem muito complexo. Por vezes eu quis espancar ele na porrada por muitas atitudes, em outras eu torcia por ele e em outras ainda tive pena dele.  
                E claro que não poderia deixar de comentar sobre o contexto histórico. É notável o trabalho de pesquisa do autor, que construiu sua narrativa em um período desconhecido da história de Carolina, mulher de Machado, para inserir seu personagem Pedro e toda a sua trama que não só respeita a história, como nos faz querer conhecê-la um pouco mais. Um deleite para aficionados por história e um convite para os curiosos que anseiam por entender mais sobre o nosso passado. 
                É fato notório também a retratação do racismo na obra. Sendo o protagonista um homem branco de família rica e Machado um mulato de origem humilde, não é de se espantar que Pedro seja extremamente racista em relação a seu rival e o autor consegue transcrever isso em sua obra sem levantar bandeiras ou passar pano ao que acontecia aos negros naquela época. Igualmente verdade para o tratamento que as mulheres recebiam. Carolina, o maior exemplo disso, foi crucificada diversas vezes na narrativa por querer ser livre e fazer o que queria. Sua reputação foi destruída por erros de homens e estes saíram incólumes. Coisas essas que revoltam, mas eram (e ainda são) um retrato da nossa sociedade que tenta esconder seus preconceitos hediondos se apoiando vergonhosamente em tradições e conservadorismo que não cabem mais no nosso tempo atual. 
Bom, já deu para notar que gostei muito da leitura, não é? Não tenho nenhuma crítica quanto a obra. O José Almeida está de parabéns por ter construído uma narrativa simples e objetiva, mas que diz muito sobre nossa história. Narrando sem subterfúgios para dizer o que precisa ser dito. Que se utiliza da perspectiva de seu protagonista para atiçar a curiosidade dos leitores a cada página. 

                A obra é narrada em primeira pessoa. Nela acompanhamos a trajetória de Pedro Junqueira e pela sua ótima vamos conhecendo outros personagens da trama. A obra é bem fluida, o autor não utiliza de palavras ou expressões datadas, embora use uma ou outra para fazer a ambientação da história. A relação temporal é truncada, onde o leitor passa por diversos períodos dos anos em que Machado de Assis era vivo. 
           A revisão está naquele nível de qualidade que vemos em outras publicações da Faro: excelente. Eu lembro de ter visto um erro bobo apenas. A diagramação é outra excelência da editora. Eu realmente não me canso de exaltar o trabalho feito pela Faro no visual de seus livros. Dá gosto de ter na estante. O livro é dividido em 33 capítulos, contando com algumas ilustrações no início e no final do livro. 
                Algo a se destacar nessa edição: essa foi a primeira obra que publicou uma recriação mais fidedigna de Machado de Assis. Não, isso não é um erro de impressão. Machado de Assis era negro e ponto final. A campanha “Machado de Assis Real”, realizada pela Faculdade Zumbi de Palmares, coloriu a famosa foto do escritor. Meus parabéns a Faro por ter feito essa correção histórica nesse livro. 



                José Almeida Júnior é escritor e Defensor Público do Distrito Federal, com pós-graduação em Direito Processual e Direito Civil. Última Hora, seu primeiro livro, foi sucesso de público e crítica. O romance foi vencedor do Prêmio Sesc de Literatura de 2017, finalista do Prêmio Jabuti e do Prêmio São Paulo de Literatura.
                Recomendo essa história para todas as pessoas que curtem ler uma ficção com boas pitadas de história real. O autor soube muito bem mesclar as duas coisas e se duvidar, você pode acabar se pegando no pensando “Isso aconteceu mesmo?”. Em minha humilde opinião, este é um livro que deveria virar leitura em escolas. Esse é um tipo de leitura que nos faz querer visitar a nossa história e talvez seja uma maneira de ajudar a nossa literatura a ser vista com olhos que não sejam os de preconceito contra o que é produzido no Brasil.


Bibliografia de José Almeida Júnior:

Livros:
  • Última Hora – Editora Record (2017).
  • O Homem que Odiava Machado de Assis – Faro Editorial (2019).

Luciano Vellasco

Sou o cara que brinca de ser escritor e se diverte em ser leitor. Apaixonado por livros, fotografia e escrever. Jogador de rpg nos domingos livres, colecionador de Action Figures e Edições Limitadas de jogos. Cinéfilo, amante de series e animes. Estou sempre em busca de conhecer novas pessoas e aprender com cada uma delas e por último, mas não menos importante: um lendário sonhador.
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