RESENHA - Feitos de Sol (Vinícius Grossos)

"Feitos de Sol é uma leitura comovente que traz uma conscientização sobre o primeiro amor"





Ficha técnica:
Referência bibliográfica: GROSSOS, Vinícius. Feitos de Sol. 1ª edição. São Paulo, Faro Editorial, 2019. 256 páginas.
Gênero: Romance
Temas: Descoberta, Adolescência, Homofobia, Fim do mundo.
Categoria: Literatura Nacional
Ano de lançamento: 2019



“O céu estava todo pintado de lilás e azul. Os tons foram mudando gradualmente e a nuance que se revelava era perfeita para o fundo do desenho do Under Hero que eu vinha produzindo”
*Feitos de Sol (pág. 15)

Em Feitos de Sol, vamos acompanhar Cícero, um adolescente nerd que leva uma rotina comum a qualquer outro jovem da sua idade que tem certeza que o mundo vai acabar na virada do ano com o bug do milênio. Todavia, essa não é uma grande preocupação para ele, pois sua meta de ler o último volume de Under Hero antes do mundo acabar logo seria completada. Contudo, ele não contava que sua loja de quadrinhos preferida, e única fonte de cultura alternativa da cidade em uma época em que a Internet em casa não era para todo mundo, fecharia as portas para sempre. Angustiado com a possibilidade de nunca saber o que acontece no final da história de seu personagem preferido, Cícero fica encarando a porta fechada da loja até que outro jovem aparece procurando pelo último volume de Under Hero. Impressionado por encontrar mais um fã do quadrinho, ambos os jovens decidem embarcar juntos em uma aventura em busca do último volume e acabam descobrindo bem mais que assuntos em comum.

 “O grande lance é que somos criados para seguir um molde, um comportamento que os outros esperam da gente. O que você está fazendo não tem nada de mais, e o único que pode achar que está certo ou errado é você, porque o seu coração o dirá.”
*Feitos de Sol (pág. 136)

Eu simplesmente amei o livro em todos os seus detalhes. A história está cheia de referências da década de 90 que vão despertar a nostalgia em leitores que viveram essa época, mas que também podem gerar curiosidade na galera mais nova. E, além de Vicente e Cícero, que têm uma história de amor linda, preciso dizer que achei a personagem Karol fantástica. Uma garota cheia de atitude e bastante segurança em agir do modo que se sente, sendo uma surpresa positiva para mim do começo ao fim. Contudo, o que mais amei no livro foi à maneira como o preconceito foi abordado dentro da própria relação homoafetiva.



Primeiramente, eu preciso deixar totalmente claro que sou contra qualquer forma de LGBTfobia (inclusive minha monografia é sobre isso). Porém, é inegável que ela existe ainda nos dias de hoje, quem dirá 20 anos atrás, quando a homossexualidade, que era a identidade mais conhecida da comunidade LGBT (no caso, comunidade GLS), era tratada como tabu. E a forma como o autor aborda esse preconceito presente na sociedade, nas famílias e até mesmo entre o casal me trouxe diversas reflexões.
O livro, por completo, é muito emocionante. Por estar realizando uma pesquisa que tem como temática tanto a LGBTfobia quanto a biblioterapia, sei que a literatura de ficção nos permite entrar em contato com histórias que, mesmo sendo criações, são baseadas na realidade e nos aproxima de vivências distantes da nossa. Futuramente eu vou falar sobre isso de uma perspectiva mais da Psicologia, mas eu já quero deixar claro desde agora que Feitos de Sol é uma leitura comovente que traz uma conscientização sobre o primeiro amor de modo que nunca antes havia entrado em contato. E digo o amor no sentido geral da palavra, pois o livro traz diversas relações permeadas de amor e da falta dele também.
E eu me sinto na obrigação de falar mais sobre a Karol, personagem que é amiga de Cícero. Por mais que tenha amado todos os personagens, eu preciso dizer que a Karol, mesmo como coadjuvante da história, é a personagem que mais me cativou. A forma como ela enxerga os relacionamentos e a vida promove espaço para a desconstrução de preconceitos a cada fala e acredito que ela teve uma participação importante nas decisões de Cícero no que se trata da relação entre ele e Vicente. De fato, eu achei que as figura femininas que tiveram participações mais ativas, como a mãe de Cícero e a avó de Vicente, são personagens sensacionais e representam mulheres incríveis que temos na nossa sociedade, cada uma a seu modo.
Admito que, quando eu comecei a ler o livro, achava que seria uma leitura rápida, porque a escrita do autor é fluida, assim como a narrativa é envolvente, contudo, lá pela metade do livro, é preciso muito estômago para não parar em alguns momentos. Isso porque Vicente tem uma história muito dolorida envolvendo o preconceito, a ponto de, diversas vezes, eu precisar fechar o livro para digerir o que eu tinha acabado de ler. Parte disso porque tenho consciência de que esse tipo de situação não se trata apenas de ficção e existem diversos Vicentes e Cíceros mundo afora. No entanto, também tenho a esperança de que eles se encontrem no caminho e possam dar força um ao outro, junto a outras pessoas maravilhosas, tal como os personagens do livro.



“Na minha cabeça, eu era o Jack segurando a mão da Rose, no Titanic, prestes a afundar congelado. Mas nessa história, na minha e do Vicente, nós nos seguraríamos juntos na madeira até o final.”
*Feitos de sol (pág. 142)


A história é narrada em primeira pessoa pelo Cícero, e termos acesso apenas ao ponto de vista dele nos permite uma aproximação maior com esse personagem, mas nos deixa também mais tempo curiosos sobre Vicente. Como dito, a escrita de Vinícius é fluida, fazendo a leitura da obra ser rápida na maior parte do tempo, porém existem momentos que te forçam a processar as situações com mais cuidado. Além disso, temos mais um trabalho fantástico de diagramação da Faro Editorial, com inícios de capítulos bonitos, apesar de simples, capas bem trabalhadas e belas folhas de guarda. Esse foi o primeiro trabalho do autor que eu li, e gostei bastante da escrita, contudo, observei um vício de escrita quanto ao uso do termo “sol". O termo foi usado diversas vezes para enfatizar a forma como Cícero se sentia em relação a Vicente, tornando-se até mesmo um pouco exaustivo mais ao final da obra, porém nada que atrapalhe muito a experiência de leitura.
Vinícius Grossos é taurino, leitor voraz e perseguidor de sonhos. Ama comida italiana, dias nublados e café. Nasceu em 1.993, no estado do Rio de Janeiro e quando pequeno, tinha o sonho de trabalhar em uma livraria apenas para poder ler tudo o que fosse possível. Já quis ser desenhista também, mas sua falta de talento o ajudou a se encontrar de vez como escritor. Se formou em jornalismo pela UFJF – Universidade Federal de Juiz de Fora, e atualmente mora em São Paulo. Seu maior sonho é viver de literatura no Brasil e viajar pelo mundo com seu trabalho. Atualmente, ele é representado pela Agência Riff.
No momento poltico e social em que vivemos, indico para todos a leitura de Feitos de Sol, seja para exercitar sua empatia, conhecendo o sofrimento do outro, seja para lembrar que ainda existe amor no mundo e também lugares onde ele pode crescer. Entretanto, eu recomendo especialmente para pessoas que apoiam a causa LGBTQ, principalmente para as pessoas que fazem parte da comunidade. Isso porque é uma história cheia de representatividade, amor e mensagens que, inclusive, podem ser usadas para desconstruir o preconceito. Por fim, recomendo para todas as pessoas que gostam de boas histórias de amor.

Bibliografia de Vinícius Grossos:

Livros:
  • Sereia Negra – Selo Jovem (2014)
  • O garoto que quase morreu atropelado (2015)
  • 1+1 – A matemática do amor – Faro Editorial (2016)
  • Feitos de Sol – Faro Editorial (2019)

Contos:
  • Doze por doze – Blog nem te conto (2016)
  • O verão em que tudo mudou Faro Editorial (2017)

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