I
Num
baile — já pouca gente; muitas cadeiras vazias.
Ela,
sentada, um tanto abatida, identificada com o enfado e a fadiga de uma festa a
acabar, a ouvir como por favor e com ar de sensível amuo e impaciente
condescendência um homem no vigor dos anos a falar, ardente, arrebatado, numa
grande agitação, sombrio, desconfiado, mas sóbrio nos gestos a conter-se
calculadamente — ambos longe, bem longe daquele ambiente de alegrias e
despreocupação, hostis um com o outro.
—
Precisava, observava ele, explicar-me com toda a liberdade. Desde que cheguei
do Rio da Prata, não achei uma única ocasião. Verdade é que a senhora tem feito
estudo especial para não me consentir o menor ensejo. Isto não pode continuar
assim; prefiro então romper de uma boa vez. Declaremo-nos logo inimigos
irreconciliáveis.
—
Pois fale; diga o que tem, o que de mim deseja.
—
Aqui? Agora?
—
Por que não? Onde quereria que fosse?
Esboçou
Sofia Dias um movimento de displicência e incredulidade.
Inclinando-se
para ela, lembrou então Mário Campos, com voz soturna e emocionada, cenas do
passado e passado bem próximo ainda — meses quando muito — a sua posição de
homem casado, e bem casado uns bons pares de anos, ante as seduções e
inexplicáveis faceirices, quase facilidades de moça formosa e solteira. Tanto
fizera — oh! escusado era querer protestar; a sociedade toda havia sido
testemunha e sabia ser justa — que afinal perdera ele a cabeça, e lhe
consagrara paixão cega, invencível, de inaudita violência.
Mera
vítima ou não do artifício e dolo, durante não pouco tempo se supusera deveras
amado. Rico, feliz, esposo de uma mulher bondosa, bonita e terna, de repente se
sentira, sob o influxo daquele sentimento novo insuflado com raro talento
sugestivo, o ente mais desgraçado do mundo, avassalado irremediavelmente por
influência que zombara de todo o seus planos e tentativas de resistência. Que
fazer então da vida, longa, tão longa naquele horrível desencontro! Como
readquirir a felicidade perdida para todo sempre?
—
Oh! interrompeu ela irritada e sardônica, há tantos modos de ser feliz...
Podia
ser, sobretudo para aqueles que não calculavam o enlace dos atos e palavras. E
por falar em palavras... certa noite, por exemplo, numa volta de bond do
Jardim Botânico, ao luar, dissera-lhe ela uma frase, que lhe havia calado no
espírito para nunca mais de lá sair. Fixara-se-lhe dentro d'alma com letras de
fogo, que a cada momento do dia e da noite lhe luziam ante os olhos
deslumbrados. Não se lembrava?
—
Não; respondeu Sofia com sinceridade e algum assombro. Que poderia eu ter dito
tão terrível e sinistro? Não me mete medo.
Quis
sorrir; mas o sorriso pairou-lhe indeciso, frouxo, à flor dos lábios, desses
sorrisos chamados amarelos.
Tivesse
ela ou não medido o efeito, houvesse ou não sido mais uma simples leviandade, a
sua boca a proferia, lembrasse-se bem do seu dito: "Ah! se você fosse
livre!"
—
Ora, protestou Sofia, empalidecendo seu tanto, uma hipótese...
E
agora não estava ele livre, bem livre? Que significava, nessa nova situação o
seu inopinado retraimento? Por que se mostrava ela tão esquiva, tão indiferente
dos tempos de outrora, decorridos apenas seis meses empregados nessa indispensável
— e apoiava no vocábulo — viagem ao Rio da Prata? Quando supunha
encontrá-la vibrante de amor e saudades como ele, quando julgava alcançar a
felicidade almejada a que tinha feito jus — oh! sim, tudo, tudo empenhara para
consegui-la — aí a achava radicalmente mudada, outra, de todo outra! Por quê?
De que servira então aquele ano de ardente afeto, pelo menos assim acreditara,
de tamanhas promessas e juras? Não teria ele sido senão mero joguete de
passageiro capricho, pretexto para ensaiar simples armas de namoradeira?
Sofia
Dias mostrava-se cada vez mais impaciente. Fez até gesto de quem ia levantar-se.
Por
que se dera toda aquela comédia? A sua infeliz mulher alvo de tantos remoques,
motivo de contínuos reparos e críticas, exposta a incessante ridículo, até se
lhe tornar positivamente insuportável. Não tinha gosto, não sabia vestir-se,
escolher chapéus; inúmeras setas farpadas, envenenadas, na sua mal ferida
vaidade de marido. Meros gracejos? Brinquedos de um coração mau, ardiloso,
cruel, insensível? Oh! tomasse tento, aquela hora era decisiva. Passada ela,
tiraria vingança tremenda; era de raça dos que não perdoavam.
E,
ofegante, numa frase curta, dura, contava episódios até da infância, em que
se afirmara a irresistível disposição ao desforço violento por qualquer
ofensa ou injúria recebida. Sua mãe lhe dissera um dia: "Menino, você
com este gênio há de acabar mal!" Quem sabia se o horóscopo não se ia
realizar. Uma cousa lhe jurava. Alguém havia de pagar. Não se adiantara
tanto, para ficar, perante todos, como triste símbolo de irrisão
e escárnio, menosprezo e miséria.
E
os seus olhos chamejavam, dolorosa crispação dos lábios lhe erguia o canto da
boca. De longe, parecia estar sorrindo, todo entregue a animada, ainda que
banal, conversa de baile.
Sofia
o ouvia com expressão de extremo cansaço. Afinal rompeu o silêncio.
Confessava
que a ele assistia alguma razão. Andara mal, concordava; solteira e pretendida
por não poucos, não devera nunca ter alimentado um sentimento
reprovável, que não tinha razão de ser. Saíra do seu papel natural e
pagava as culpas da leviandade, sempre amarga. Naquele tempo não media as
consequências de uns olhares mais quebrados e imprudentes e os efeitos
perigosos de qualquer namorozinho. Aquilo lhe serviria de lição. Fora,
aliás, bem sincera na hora em que pronunciara aquelas palavras, sem
contudo lhes dar maior significação. Aludira, com real pesar, a cousa
irreparável e contra a qual não havia lutar. E fora essa convicção que,
pouco a pouco, lhe abrira os olhos, desviando-a do caminho errado que
seguira. Não diz o provérbio que o que não tem remédio, remediado está? Na
ausência dele, Mário, tanto lhe girara no pensamento essa verdade, que
afinal pudera dominar-se. Quem, aliás, havia de imaginar, que tão cedo a pobre
D. Beatriz sairia deste mundo, desligando com o seu desaparecimento laços que
deviam ser eternos? Nisso o Barroso pleiteara a sua mão e ela não achara
motivos para o repelir, bem parecido, inteligente, em bela posição política,
ministro talvez breve; que dizer contra esse candidato?
—
E você o ama, Sofia? Perguntou a custo, arquejante, o mal aventurado Mário.
—
Amá-lo, não, mas enfim gosto dele, não há duvida. Creio que sou refratária a
paixões violentas, arrebatadas. É outro o meu gênero...
—
Sim, observou Mário, ludibriar aqueles a quem prende na rede dos seus olhares
fatais.
Sofia
deu um muxoxozinho:
—
Bom, temos melodrama...
Amiudadas
vezes passava o moço o lenço pelo rosto, limpando gotas de frígido suor.
Insistia, porém.
Por
que deixar de realizar o que era tão natural, uma vez apartado o único
obstáculo que se interpusera entre os dois? Por ventura, valia ele menos do que
esse intruso, o tal Barroso? Era, decerto, um pouco mais velho; mas tinha por
si a precedência. Ninguém estranharia aquele casamento com quem tanta corda lhe
dera numa época em que não deveriam ter sido aceitas as suas assiduidades.
Culpa tivera ela, induzindo em erro tanta gente.
Sofia
ensaiou um gracejo e com tom de remoque: — Para nós, solteiras, o senhor...
você tem um grave defeito: é viúvo.
Pelos
olhos de Mário relampejou um raio de ódio e ferocidade tão visível e intenso,
que a moça estremeceu. Com os dentes apertados sibilou a resposta:
—
Quem me fez viúvo, ouviu? Não tem o direito de me atirar isto em rosto,
compreende?
E
o seu olhar torvo, dardejante, desvairado, buscava ir ao íntimo de Sofia,
explicando-lhe talvez mistérios terríveis, possibilidades de apavorar,
completando a confissão confusamente bosquejada.
Por
instintiva defesa fechou-se a moça, fazendo poderoso esforço para conservar-se
calma, serena, alheia e superior a qualquer conivência, por longe que
fosse. Via-se subitamente envolvida em tenebrosas complicações, ameaçada
de perigos de que nunca pudera cogitar, e cujo alcance não lhe era dado medir;
tudo isso vago, indefinido na mente conturbada.
Ao
mesmo tempo surgia-lhe medo imenso, incoercível, daquele homem, cruel alvoroço
por toda ela, penosas explicações, arrependimento indizível da sua leviandade e
inconsideração, levada só e só pela ânsia das homenagens, viessem de onde
viessem, o gosto de dominar e ser requestada.
Continuava
Mário Campos ameaçador.
Tudo
caminhava para a tragédia; assim pressentia. Quando quisesse ter mão em si,
havia de ser tarde. Avisava...
—
Então, interrompeu Sofia fingindo indiferença, temos agora intimidação? Quer
levar-me pelo terror?
Ele,
de súbito, muito manso e cordato, sem transição, pedia perdão dos seus
arrebatamentos. Prometia ser brando como um cordeiro. Queria só o que lhe
parecia justiça. Implorava se preciso fosse, compaixão, misericórdia.
Tivesse Sofia pena da sua desgraça, de que fora a causa. Contara tanto com
o seu amor, a sua lealdade, e agora... Que é que o esperava neste mundo,
se se visse repelido, enxotado, quando arquitetara toda a existência numa
base única, indispensável, aquele casamento. Para o tornar possível, não recuara
diante de consideração alguma. Tudo, tudo antepusera a isso —tudo, tudo,
estivesse certa.
E
recomeçavam as reticências, as alusões vagas, mal indicadas, que deixavam Sofia
toda fria, — não poderia dizer como, com verdadeiros calafrios pelo dorso, desses
que, no dizer do povo, anunciam o esvoaçar da morte por perto.
Então,
prosseguia Mário, de nada valiam provas do que existira entre eles?
—
Que provas? Protestou altiva e surpresa a moça.
—
Ora, as murmurações e o reparo da sociedade, durante mais de ano.
Sofia
levantou os ombros com desdém.
—
E as suas cartas, ardentes, incendiárias. Ah! Mostrá-las-ei ao mundo inteiro, a
todos, a esse Barroso do inferno...
—
Fora indigno da sua parte. O cavalheirismo...
Cavalheirismo?
Replicava Mário Campos impetuoso, cheio de fel e ironia, quando tudo lhe
tiravam, lhe arrancavam, lhe roubavam?! Depois do que lhe sucedia, não era, não
podia ser um homem como qualquer outro. Havia de tomar o seu desforço do modo
que melhor lhe aprouvesse, como um vilão, um miserável, uma fera. Dependia
dela. Dos seus lábios estava suspensa a sua vida. Não lhe diria jamais tudo;
mas a morte pairava sobre ambos...
—
Sofia, Sofia! Implorava o mísero.
A
moça, porém, abanava implacável a cabeça, pálida, os olhos sem fulgor, meio
cerrados, inquietos,
mas enérgica, de tensão firme, inabalável.
—
Não, não; não é mais possível...
Nisto
um cavalheiro veio lembrar-lhe o compromisso de uma valsa.
—
Tenho certo escrúpulo, disse ele um tanto malicioso, de interrompê-los;
conversavam tão animados...
—
O Sr. Mário Campos, replicou Sofia com toda a naturalidade, estava me contando
a sua viagem ao Rio da Prata... bem interessante.
E
lá se foi ela envolvida nos lânguidos eflúvios de cadenciada e vaporosa música.
II
Que
existência a do desprezado Mário Campos!
Pareceu-lhe
aquilo, a princípio, um sonho, um pesadelo, esse tremendo e inopinado capricho
de loureira a perturbar-lhe todos os planos e cálculos e a exasperar-lhe a
paixão por modo inacreditável.
Fez
ainda algumas tentativas, procurou encontros, entrevistas; mas achou todas as
portas fechadas, as valsas cortadas, esbarrando com uma resolução tão valente e
decidida como a sua. Empenhava-se Sofia em mostrar-se de posse do maior
sangue-frio; e a sociedade, curiosa e atenta, observava aquela espécie de duelo
travado repentinamente entre dois entes, que, pouco antes, tanto lhe dera que
falar em sentido bem diverso.
Caiu
depois o moço em profundo abatimento. Tudo se lhe afigurou perdido, a mesma
natureza em vésperas de definitiva destruição, apesar dos rutilantes
esplendores dos mais formosos e festivos dias. Encerrado em casa semanas e
semanas, nessa casa cheia de conforto e luxo em que não soubera dar o devido
apreço à suave afeição da perdida esposa, reconcentrava-se num desespero
medonho, tétrico; a sós com os mais negros pensamentos. Não lograva um momento
de sossego, e, para conciliar uma ou duas horas de acabrunhado torpor, tinha
que recorrer, após noites de absoluta insônia, a elevadas doses de morfina.
Aí
emergiu-lhe das mais fundas entranhas ódio imenso, àquela mulher, e com ele
sede ardente, incontentável, de estrepitosa vindicta. Ah! sim, queria,
precisava por força vingar-se, mas de modo único, nunca visto, inexcedível, nem
sequer imaginado. E tornou-se-lhe prazer exclusivo procurar que desforço seria
esse, capaz, só em ideá-lo, de lhe aplacar um pouco tamanhas ânsias, fogo tão
devorador e indomável.
Matá-la-ia
sem vacilar; oh, sim! mas como fazê-la sofrer mil mortes, numa agonia
intérmina, à maneira dessas aves de rapina, cruentíssimos açôres, que, por
instinto infernal, dilaceram as vítimas membro a membro, pedaço por pedaço,
lenta e quase cientificamente, poupando com cautela os órgãos essenciais à
vida, a fim de se saciarem, dia a dia, de carne sempre sangrenta e palpitante?
Mataria,
oh, sim! aquele homem... Tudo isso, porém, não fora tão banal? Que valia esse
rival de ocasião? Eliminado da cena, outro o substituiria sem demora. Por tão
pouco não se abate nem recua a perfídia da mulher. Para que, aliás, essa supressão
de vida? Em muitos casos não é um favor a morte? Não representa a cessação da
dor, do sofrimento, da vergonha? Por ela não suspirava ele, como supremo bem?
Sim, também tinha que morrer. No perpassar de todas as odientas combinações,
intolerável se lhe afigurava continuar a existir. Reservava essa tortura para
Sofia; mas como transmudar tamanha concessão em martírio constante, em
angústias sem nome, em indizível suplício, calcando para sempre nos pés o seu
orgulho, conspurcando-a perante a sociedade toda, arrastando-a com eterno
labéu, imprimindo-lhe na fronte sinal de inapagável ferrete?
Como?
Comparava
os tempos anteriores ao amaldiçoado amor com tudo quanto ocorrera, uma vez
ateada a criminosa e já tão flagiciada paixão. E a lembrança da esposa, tão boa
em sua discreta feição, o enchia de pavor. Fugia de aprofundar consigo mesmo o
incerto mistério... aquela janela aberta por noite frigidíssima, em Buenos
Aires, ela a dormir fraca dos pulmões, presa então de perigosa bronquite...
depois a pneumonia dupla... as vascas de terrível agonia num estreito quarto de
hotel... Que momentos agora tão claros à sua memória...Parecia os estar vendo;
bastava fechar os olhos. A pobrezinha, resignada, quase a sorrir, enquanto as
lágrimas lhe rolavam silenciosas pelas faces, apertando a mão assassina,
implorando proteção contra a morte que chegava... ele, com o pensamento fixo no
Rio de Janeiro, ardendo de impaciência, brutalizando-a, doido por ver tudo
acabado, concluso, findo, espreitando, espiando o último estertor, o derradeiro
suspiro, a convulsão suprema, que ia desatar as cadeias do abominado
cativeiro... Que indigna contraposição! De um lado tanta pureza e resignação;
do outro tamanha maldade, tão satânica e baixa ferocidade. E para que o
monstruoso atentado? Dele agora emergiam obrigatoriamente outros crimes, novas
infâmias.
Sentia-se
condenado. Justiça inteira havia de ser feita e pela própria mão. Era ponto
decidido, indiscutível já no seu espírito. Ficaria, porém, impune a causa de tantos
males? Impossível! Para benefício de todos, cumpria esmagar ente tão
pernicioso, inutilizar de vez encantos tão perigosos e letais.
E
parafusava, sem se lhe deparar nada que apaziguasse um tanto as iras
exasperadas, em fremente ebulição. Depois... serenou. Mostrou-se por toda a
parte altivo, calmo e indiferente. Tornou a frequentar teatros e lugares,
falando no próximo enlace de Sofia com desembaraço e naturalidade, aplaudindo-o
até. Declarou-se curado de mal entendidas e pueris veleidades. Chegou a cumprimentar
a moça e, uma feita que se encontrou cara a cara com ela apertou-lhe a mão sem
nenhum constrangimento ou perturbação.
A
vários amigos falou em próxima partida para terras longínquas, e às rodas
habituais levou um todo, senão risonho, pelo menos de tranquila e digna
compostura. Publicaram-se então os primeiros proclamas do casamento de
Lúcio Barroso com Sofia Dias, a qual se supunha afinal livre de qualquer
complicação, toda radiante de alegria e felicidade, cada vez mais formosa,
faceira e sedutora, nos lábios sempre róseo sorriso sobre nacarados
dentes, boca úmida e apetitosa de tentar um santo.
Numa
bela manhã, sobressaltou-se a cidade em peso. Acabara de suicidar-se com um
tiro de revólver Mário Campos.
Sem
declarar o motivo desse ato, recomendava que dessem imediata publicidade e
pronta execução ao testamento por ele depositado, dias antes, no cartório do
tabelião Matheus.
Nesse
documento, feito de acordo com as mais restritas formalidades, distribuía
vários donativos a institutos de caridade e legava alguns bens a parentes de
sua mulher. Terminava, porém, pelas seguintes e terríveis palavras, que
causaram escândalo enorme, ecoando por todos os cantos da capital:
"Eternamente
grato a não poucas provas de afeição e condescendência, deixo os remanescentes,
que calculo em 200 contos de réis, à minha amante D. Sofia Dias, devendo esse
legado transmitir-se em qualquer tempo à sucessão legítima ou
ilegítima, verificada em regra a filiação. Caso não seja a quantia
reclamada logo, entregar-se-ão anualmente os juros à Misericórdia."
Dentro,
duas cartas da imprudente moça, que se prestavam a muitas interpretações.
No
meio da indignação geral, do profundo abalo de uns, revoltado pasmo de outros,
da pungente ironia dos maldizentes e da compungida piedade dos bondosos, rompeu
Lúcio Barroso com estrondo o casamento; e a mal aventurada Sofia, salteada de
febre cerebral, por largas semanas esteve entre a vida e a morte.
Rumorejou-se
as possibilidades de melindrosa justificação perante os tribunais; mas, afinal,
a família toda, mãe e duas filhas menores, depois de meses e meses de sumiço,
partiu para a Europa. Nunca mais se ouviu falar, senão vagamente, em Sofia
Dias; parece que por lá se casara.
Ainda
não foi até hoje levantada a ominosa herança... Quem nos diz, que será sempre
repelido o maldito e infamante legado?
Assim
seja!
Visconde de Taunay
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Achados e Perdidos