RESENHA - Os Lugares do Meio (Pablo Amaral Rebello)



Ficha técnica:
Referência bibliográfica: AMARAL RABELLO, Pablo. Os Lugares do Meio. 1ª edição. Brasília, Edição do autor, 2017. 287 páginas.
Gênero: Fantasia urbana
Temas: Magia, Monstros, Demônios, Lendas Urbanas
Categoria: Literatura Nacional
Ano de lançamento: 2017

“- Contam-se muitas histórias sobre o Guardião das Estradas - começou. - Especialmente em lugares perdidos no meio do mapa, que nem esse aqui, onde a realidade dos grandes centros urbanos é substituída pelos mistérios das planícies desertas e das florestas fechadas. Muitas dessas histórias não passam de fabricação para assustar os outros. Mas, algumas poucas, relatam situações reais. Por mais improváveis que possam parecer. O caso do Guardião das Estradas é uma dessas histórias.”
*Os lugares do meio (pág. 14).


Jéssica e seu namorado Gabriel estavam viajando para Guarapari, no Espírito Santo, quando resolveram parar em um posto de beira de estrada para comer alguma coisa. O namoro do casal não ia nada bem. Gabriel mostrava-se cada vez mais distante no relacionamento e Jéssica já não conseguia mais sentir toda aquela paixão do começo do namoro. Aquela viagem era a última chance do casal se resolver.
Porém, após a garota conhecer um viajante metido a mágico chamado Trevor, fica sabendo por ele da lenda que rondava aquelas terras: a lenda do Guardião das Estradas. Dizia-se que se a pessoa passasse por um homem vestido de caubói e jaqueta de couro cheia de desenhos misteriosos ao pôr do sol numa estrada deserta,  essa pessoa deveria dar carona a ele. A estrada cobraria um preço muito alto para quem recusasse. Trevor ainda disse que Jéssica poderia correr um sério perigo ao seguir pela estrada.
Porém, antes que ela pudesse reagir à história de Trevor, Gabriel aparece e, em uma explosão desenfreada de ciúmes, expulsa o viajante com ameaças, acreditando que ele estava flertando com sua namorada. O que já estava ruim entre os dois piorou e ambos pegaram a estrada de cara fechada.
No meio da estrada, ao pôr do sol, os dois veem um cara vestido de caubói pedindo carona. Jéssica desesperada pede para Gabriel parar. Porém o jovem faz pouco caso da história sem pé nem cabeça da namorada e ignora o homem, argumentando que poderia ser um ladrão de estrada.
A viagem de reconciliação do casal de uma hora para outra transformou-se em um grande e horrendo pesadelo.
               Os Lugares do Meio é uma obra de fantasia urbana escrita pelo autor brasiliense Pablo Amaral Rebello. Somos apresentados à protagonista Jéssica e ao seu namorado Gabriel. Após ignorarem a lenda urbana do Guardião das Estradas, o casal acabam se envolvendo em uma trama onde forças demoníacas muito poderosas planejam trazer o mal para o mundo.
               A obra inicia morna, mostrando como o namoro da dupla de protagonista estava indo pelo ralo. Ela começa a engrenar quando eles sofrem um acidente no meio da estrada e são encontrados por Antônio José da Silva Abreu (ou Tony Malvadeza, para os que descobrem tarde demais suas intenções), que se oferece para ajudá-los. E é aí que a história começa a ganhar corpo e ares de fantasia quando Jéssica enxerga uma “aura maligna” em seu suposto salvador. A partir daí somos apresentados a toda a mitologia criada pelo autor dentro da obra.
O que eu achei interessante é que num primeiro momento ela te faz pensar estar lendo uma história sobre um “faroeste brazuca”, onde pessoas andam de chapéu e botas de caubói armados com pistolas e palitos na boca, já que a sinopse da obra não revela praticamente nada. Até que, de uma hora pra outra, você é tragado para um universo fantástico e tenebroso onde monstros e magia espreitam a cada esquina.
               No mundo criado por Pablo (que por sinal, fiquei feliz por ter sido ambientado em terras tupiniquins) o sobrenatural existe. A magia existe. Criaturas sobrenaturais como vampiros, ogros, trolls, lobisomens, zumbis e demônios estão entre nós e todo esse mundo místico, por assim dizer, se esconde em bolsões dimensionais paralelos ao mundo normal. O que na obra é chamado de “Os lugares do meio”.
              
- Acredite ou não, você e sua namorada ultrapassaram uma barreira invisível muito recentemente. Fizeram uma passagem para um reino intermediário, onde nem tudo é o que parece e o sobrenatural se manifesta com maior facilidade. Bem-vindo, Gabriel, aos Lugares do Meio”
*Os lugares do meio (pág. 69).

               Eu tenho de bater palmas para o autor também por inserir elementos da cultura indígena na obra. Eu não estava esperando por isso e foi muito show ver essa mistureba de mitos indígenas com os mitos cristãos e melhor ainda por não ser algo forçado dentro da narrativa. Claro que não vou falar mais sobre esse assunto porque isso por si só é um pequeno spoiler, mas servirá para atiçar a curiosidade de vocês pela obra, tenho certeza.


               Eu curti bastante a leitura. O autor foi muito feliz e criativo em vários elementos inseridos dentro da obra, casando o real com o imaginário (até onde sabemos, vai que tem mesmo coisas sobrenaturais no mundo), mas tenho algumas ressalvas a fazer.
A primeira é quanto aos personagens. Alguns coadjuvantes inseridos na trama não foram muito bem explorados. Alguns cumpriram um papel específico (como Mirella e Annabelle) e desapareceram da história. Outros vieram e voltaram para fazer algo e também sumiram e eu fiquei tipo “Então, o que aconteceu com fulano quando os capetas lá detonaram tudo?”. “A casa da Viúva Negra” foi o capítulo que mais senti falta de uma maior profundidade. Annabelle e suas filhas entraram na história com um enredo muito interessante que, na minha opinião, merecia mais atenção. Quem sabe um Spin-off?
               Outro problema gira em torno do próprio Guardião. Está certo que o mistério por trás dele tem o seu charme e você fica se perguntando “Cara, quem diabos é esse maluco?”. Só que ele aparece, dá porrada em todo mundo e o mistério continua. Acho que ficaria mais interessante se o autor soltasse pistas aqui e ali para tentarmos desvendar nós mesmos o mistério. É óbvio que ele não é uma pessoa comum, mas até onde vai suas capacidades sobrehumanas? É tão absurdo que ele chega a enfrentar um mini-exército sozinho. Achei legal? Foda para um c*$#@! Mas não ter pistas sobre como/porque ele é fodão tira um pouco da graça (ao menos pra mim).

- Hora de dançarem a minha música - riu o Guardião das Estradas.
RATATATA! Fazia a metralhadora nas mãos do novo dono em um arco mortífero. Os cartuchos vazios pulavam um atrás do outro, a contarem o número de ferimentos mortais, músculos perfurados, ossos quebrados e vidas roubadas que provocaram ao serem liberados na dança da morte. Quando se está cercado por inimigos, nenhum tiro é realmente desperdiçado. A congregação afastava-se em pânico. Muitos procuravam as saídas do templo, incapazes de enfrentar um inimigo tão assustador.
*Os lugares do meio (pág. 212).


               E por fim o tal do Deus Ex-Machina. Para quem não sabe, esse é um recurso narrativo usado quando um personagem, artefato ou evento inesperado, artificial ou improvável, é introduzido repentinamente na obra com o objetivo de resolver uma situação. E aqui, leitores e leitoras, começam os spoilers. Não se preocupem, quem não leu o livro poderá pular sem problemas. Não vai afetar seu entendimento da resenha. Apenas são pontos que ponderei que podem ser tratados como plot twist dentro da trama e podem estragar sua experiência com a obra. Leia por sua conta e risco.

Alerta de Spoiler - Clique para ver


          Em determinado momento da narrativa, o Guardião das Estradas estava lutando contra toda uma sorte de criaturas infernais (sozinho) e do nada aparece uma criatura chamada Quetzalcóatl, que para quem não sabe (sim, eu fui pesquisar porque não sabia), é uma serpente emplumada e uma divindade das culturas mesoamericanas, que foi cultuada especialmente pelos Astecas. De onde demônios saiu esse monstro? Em momento algum na narrativa (eu pelo menos não identifiquei) havia qualquer menção a essa fera que foi o divisor de águas na luta contra as hordas demoníacas.
Outro é a presença do lobo gigante Fenrir, mascote do Guardião, que num primeiro momento eu achei que ele mesmo se transforma na criatura (deu muito a entender na primeira vez que ele apareceu). O lobo descomunal apareceu também sem muita explicação, mas em um momento “ok” dá narrativa. Poderia ser explicado depois. Porém, assim como o outro monstro, ele foi um elemento usado para ajudar os personagens em determinada situação e ficou por isso mesmo. Idem para o amuleto usado por Gabriel, que foi dado pelo Guardião e permitiu a ele chegar perto do Fenrir. Isso sem falar na lança do destino, provavelmente o artefato mais importante da história, que ninguém quis me falar de onde raios saiu.
Sei que essas coisas são bem legais de se inserir numa obra, ainda mais uma com elementos fantasiosos tão abundantes. E eu achei legal ver os monstros em ação, porém, esse tipo de coisa que pode mudar os rumos de uma narrativa não podem vir do nada. Precisam de uma explicação (prévia ou posterior) que não teve dentro da obra. Pelo menos, eu não vi. E não é aquelas explicações: “Ah, eu achei ali perdido” ou “Eu já tinha isso desde o começo”. Falo de background, de como ele estava em posse de tais elementos.
E para pôr fim a sessão spoiler, o inferno.
Aqui foi a maior reviravolta da obra. Por um motivo muito louco que não vou falar, Jéssica vai parar no inferno e isso foi MUITO FODA. Não estava esperando nada do tipo e o autor me surpreendeu nessa parte. Aqui a narrativa me lembrou um pouco o game Dante’s Inferno e eu já enxergava Jéssica como uma “Dante de saia” tocando o terror nos nove círculos do inferno. Gostei, mas aqui novamente temos a inserção de um artefato que poderia mudar por completo a narrativa sem uma explicação de onde Jéssica havia obtido algo tão raro e cobiçado no inferno. Apenas foi mencionado que ela poderia ser uma boa ladra e ficou por isso mesmo.

               São coisinhas que não alteram a diversão nem a compreensão da obra, mas que ajudam a engrandecer ainda mais a narrativa. Deixar ela redondinha, sabe? 


          A obra é escrita em terceira pessoa. Nela acompanhamos a jornada de Jéssica e com ela conhecemos toda a mitologia criada pelo autor. Como disse lá em cima, alguns personagens mereciam uma construção mais detalhada, mas nada que prejudique sua compreensão da obra. A narrativa é linear, mas recorre a alguns flashbacks para contar algo referente a algum personagem. A revisão está muito boa, só encontrei uns errinhos bobos como repetição de palavra na mesma frase e a grafia errada no nome de uma personagem. O livro é dividido em 29 capítulos e ao final os agradecimentos do autor. E por fim, a capa sensacional é assinada pelo ilustrador Robson Borges.
Pablo Amaral Rebello escreve de tudo um pouco e um pouco de tudo. É autor de Os Lugares do Meio, livro independente publicado com uma campanha de financiamento coletivo, e do e-book Deserto dos desejos (Amazon/2015) e Peixeira & Macumba (Amazon/2018) além de contar com diversos contos publicados em coletâneas como Dragão (Draco/2013). Trabalhou nos jornais O Globo e Correio Braziliense e na Editora Intrínseca.
               Os Lugares do Meio é uma obra de fantasia urbana que mistura vários elementos em uma salada mista interessante e que vale a sua atenção. Então vou começar recomendando para quem gosta dessa mistura de real e imaginário. Quem aí já não passou por um lugar e pensou “Caramba, daria uma história de terror muito massa aqui”. Pois bem, aqui está uma ótima pedida. Mesmo que você seja avesso a terror, não se preocupe. Não há aqui aquele terror gore, apenas criaturas advindas dessas histórias (e algumas descrições mais detalhadas das pessoas morrendo). Nada de te fazer ter pesadelos a noite. E é claro que eu tenho de deixar aquela recomendação de sempre: apoie nacionais. Ainda mais aqueles que são independentes. Que tem de se virar para fazer todos os processos de publicação de um livro. Essa galera tem muito conteúdo para mostrar e Pablo é mais um exemplo dos vários que temos nesse Brasil.
               E não se esqueçam: se verem um cara vestido de caubói numa estrada deserta ao pôr do sol, há grandes chances de você se meter em uma encrenca daquelas.

Bibliografia de PABLO AMARAL REBELLO (ordem cronológica):

Livros:
  • Deserto dos Desejos  – Edição do autor (2015);
  • Lugares do Meio – Edição do autor (2017);
  • Peixaria e Macumba – Edição do autor (2018).

Contos:
  • Coletânea Dragões  – Editora Draco (2012)
  • Contos da Confraria – Editora Bookmakers (2012)




Luciano Vellasco

Sou o cara que brinca de ser escritor e se diverte em ser leitor. Apaixonado por livros, fotografia e escrever. Jogador de rpg nos domingos livres, colecionador de Action Figures e Edições Limitadas de jogos. Cinéfilo, amante de series e animes. Estou sempre em busca de conhecer novas pessoas e aprender com cada uma delas e por último, mas não menos importante: um lendário sonhador.
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